index●comunicación | nº 13(1) 2023 | Páginas 129-151
E-ISSN: 2174-1859 | ISSN: 2444-3239 | Depósito Legal: M-19965-2015
Recebido em 14_09_2022 | Aceito em 29_10_2022 | Publicado em 15_01_2023
https://doi.org/10.33732/ixc/13/01Estrat
Pedro Farnese
Universidade Paulista (UNIP) / IF Sudeste MG
https://orcid.org/0000-0003-0010-7281
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Para citar este trabalho: Farnese, P. (2023). Estratégias de uma universidade pública brasileira para comunicar a ciência na pandemia da COVID-19. index.comunicación, 13(1), 129-151. https://doi.org/10.33732/ixc/13/01Estrat
Resumo: A circularidade de informações, potencializada pelo avanço tecnológico e social de plataformas midiáticas, favorece o maior alcance de boatos, teorias conspiratórias e produtos comunicacionais que impactam, sobretudo, a ciência. Nesse sentido, a pandemia do novo Coronavírus mostra-se um evento histórico com importantes consequências para a humanidade, e apresenta, dentre outros desafios, a necessidade de difundir informações credíveis que auxiliem no combate à disseminação da doença. Estudar como determinados conteúdos encontram eco a partir do uso das redes sociais abre caminhos para discutir como a Comunicação Pública da ciência se articula às narrativas em circulação nas redes. É a partir desse contexto que o presente estudo se apresenta, ao mapear as estratégias de comunicação em redes sociais virtuais implementadas pela Universidade de São Paulo (USP) que, de acordo com indicadores, figura como a maior produtora de pesquisa no Brasil e a segunda da América Latina. A análise de conteúdo das postagens do Facebook, publicadas durante os meses iniciais de registro de casos e mortes pelo vírus, de fevereiro a abril de 2020, buscou compreender a relação entre comunicação midiática e a responsabilidade de organizações que produzem ciência para combater a desinformação e movimentos negacionistas.
Palavras-chave: USP; infodemia; redes sociais virtuais; divulgação científica.
Resumen: La circularidad de la información, potenciada por el avance tecnológico y social de las plataformas mediáticas, favorece el mayor alcance de los rumores, teorías conspirativas y productos comunicativos que impactan, sobre todo, en la ciencia. En este sentido, la pandemia del nuevo coronavirus resulta ser un evento histórico con importantes consecuencias para la humanidad y presenta, entre otros desafíos, la necesidad de difundir información creíble que ayude a combatir la propagación de la enfermedad. Estudiar cómo ciertos contenidos se hacen eco a través del uso de las redes sociales abre el camino para discutir cómo la comunicación pública de la ciencia se articula con las narrativas que circulan en las redes. Es a partir de ese contexto que se presenta el presente estudio, al mapear las estrategias de comunicación en redes sociales virtuales implementadas por la Universidad de São Paulo (USP), que, según indicadores, aparece como la mayor productora de investigaciones en Brasil y la segunda en Latinoamérica. El análisis de contenido de las publicaciones de Facebook, publicadas durante los primeros meses de registro de casos y muertes por el virus, de febrero a abril de 2020, buscó comprender la relación entre la comunicación mediática y la responsabilidad de las organizaciones que producen ciencia para combatir la desinformación y los movimientos negacionistas.
Palabras clave: USP; infodemia; redes sociales virtuales; divulgación científica.
Abstract: The circularity of information, enhanced by the technological and social advancement of media platforms, favors the greater reach of rumours, conspiracy theories and communication products that impact, above all, science. In this sense, the new coronavirus pandemic is a historic event with important consequences for humanity and presents, among other challenges, the need to disseminate credible information that helps to combat the spread of the disease. Studying how certain contents are echoed using social networks opens the way to discuss how the public communication of science is articulated with the narratives circulating on the networks. It is from this context that the present study presents itself, by mapping the communication strategies in virtual social networks implemented by the University of São Paulo (USP), which, according to indicators, figures as the largest research producer in Brazil and second in Latin America. The content analysis of Facebook posts, published during the initial months of registration of cases and deaths from the virus, from February to April 2020, sought to understand the relationship between media communication and the responsibility of organizations that produce science for combat disinformation and denialist movements.
Keywords: USP; Infodemic; Virtual Social Networks; Scientific Divulgation.
Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan (China), foi identificado o vírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19. O primeiro caso registrado no Brasil data de 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo (SP). Em 11 de março, o status da então epidemia é atualizado para pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No contexto da crise sanitária, a disseminação de fake news em larga escala no ambiente digital também se tornou uma grande preocupação das autoridades de saúde.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)[1], entre 17 de março e 10 de abril de 2020, revelou um alto índice de disseminação de informações incorretas sobre o novo Coronavírus nas redes sociais, destacando que 65% envolviam curas milagrosas e não comprovadas pela ciência, 5,7% se relacionavam a golpes bancários, 5% tratavam de projetos falsos para arrecadar recursos voltados para instituições de pesquisa e 4,3% desqualificavam e tratavam a doença como uma manobra política.
Durante a Conferência de Segurança da OMS, no dia 15 de fevereiro de 2020, Tedros Adhanom, diretor-geral da entidade, enfatizou a sua preocupação com a infodemia, uma epidemia global de desinformação que se espalhava rapidamente por meio de plataformas de mídia social e outros meios de comunicação, representando um sério problema para a saúde pública. «Não estamos lutando apenas contra uma epidemia; estamos lutando contra uma infodemia» (Zarocostas, 2020). Uma realidade sintomática que pode ser creditada, em parte, ao crescimento do movimento anticiência que, segundo Oliveira (2018), se caracteriza por posições relativistas, negando o caráter objetivo do conhecimento científico; e irracionais, que consistem na crença de que a ciência é dotada de uma disputa de interesses, cujo resultado é fruto da correlação de forças.
No Brasil, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, segundo atestam Santos e Fossá (2020), tem contribuído com tal cenário, ao determinar ações administrativas controversas e emitindo declarações públicas que colocam em descrédito medidas de contenção da doença. O chefe do executivo federal adotou uma postura contrária às recomendações dos médicos e da OMS, antagonizando com governadores e prefeitos sobre as políticas de isolamento, investindo na recomendação de medicamentos que são questionados pela ciência como eficazes no tratamento da doença e alimentando desconfiança sobre as vacinas.
Diante da recusa em aceitar as recomendações de especialistas, dois ministros da saúde do governo foram trocados. Em algumas circunstâncias, Bolsonaro promoveu e compartilhou conteúdos falsos sobre o Coronavírus em suas redes sociais, sempre apoiado em uma narrativa que caminha na contramão da ciência. Tal situação foi alvo de um editorial publicado pela revista The Lancet, na edição de 09 de maio de 2020, intitulado «COVID-19 in Brazil: “So what?”», em referência à resposta do presidente à pergunta de um repórter sobre o grande número de casos de infectados e mortos no Brasil: «E daí? O que você quer que eu faça?». O texto defende a necessidade de um posicionamento das entidades representativas da ciência contra a postura do presidente e clama por mais investimentos na área.
Many scientific organisations, such as the Brazilian Academy of Sciences and ABRASCO, have long-opposed Bolsonaro because of severe cuts in the science budget and a more general demolition of social security and public services. In the context of COVID-19, many organisations have launched manifestos aimed at the public —such as Pact for Life and Brazil— and written statements and pleas to government officials calling for unity and joined up solutions. Pot-banging from balconies as protest during presidential announcements happens frequently. There is much research going on, from basic science to epidemiology, and there is rapid production of personal protective equipment, respirators, and testing kits (The Lancet, 2020: 1461)[2].
As situações relatadas nos levam a uma situação dicotômica: ao mesmo tempo em que a ciência é provocada a dar respostas rápidas ao enfrentamento à pandemia, o campo se vê questionado. Dessa forma, a pergunta central que ancora a proposta deste trabalho é: como as instituições representativas da ciência estabeleceram ações de comunicação em redes sociais virtuais para o enfrentamento dessa realidade nos meses iniciais da pandemia?
Uma das vozes institucionais mais representativas nesse quesito são as universidades. Segundo o relatório da empresa Clarivate Analytics (Escobar, 2019), quinze instituições —todas elas públicas— produzem mais da metade da ciência brasileira. A Universidade de São Paulo (USP) figura em primeiro lugar nessa lista, razão pela qual a definimos como objeto dessa pesquisa. Outro dado que indica a relevância da USP, não apenas no Brasil, mas no continente, foi a segunda colocação obtida, em 2022, no Latin America University Rankings (Times Higher Education, 2022), um estudo realizado anualmente pela instituição britânica Times Higher Education, que avaliou 197 universidades de 13 países da América Latina em cinco áreas: ensino, pesquisa, impacto de citação, participação internacional e receita da indústria. Essa posição foi alcançada pelo sexto ano consecutivo. Em primeiro lugar está a Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Nosso foco será o Facebook, rede social de maior audiência no Brasil, de acordo com o relatório Digital in 2019, do site We Are Social (Kemp, 2019). Coletamos os dados na fanpage oficial da USP entre os meses de fevereiro e abril de 2020, fase inicial da disseminação da doença no Brasil. A partir dos dados apurados, utilizamos como metodologia a Análise de Conteúdo (Bardin, 1998), na tentativa de verificar as estratégias adotadas pela instituição para comunicar a ciência e fazer frente às informações falsas e narrativas anticiência circulantes.
Em que pese a necessidade de mensurar a implementação, ou não, de novas formas de comunicação em mídias sociais virtuais, este estudo também pode se revelar de grande importância como registro documental a ser acessado por outros pesquisadores futuramente para fins comparativos e desdobramentos.
A pandemia exige muito de todos nós. Ela exige, inicialmente, um grande esforço de conhecimento. Neste domínio, os resultados foram extraordinários —desde o sequenciamento do genoma do Coronavírus à produção da vacina—, o conhecimento científico avançou de maneira extraordinariamente rápida. Tal avanço também ocorreu no Brasil, nos institutos de pesquisa e universidades que são, hoje, diretamente atacadas pelo governo e cujo orçamento cai de maneira assustadora. Mas, como vimos, junto com o conhecimento, vem também a exigência da confiança. Quanto mais nossas ações coletivas demandam um conhecimento científico, mais elas pedem a confiança em instituições que os produzem. (Santos, 2022: 12)
Neste contexto excepcional da COVID-19, diferentemente das outras crises epidemiológicas que ocorreram na história da humanidade, a pandemia se configura em dinâmica social globalizada e midiatizada, a partir do momento em que a sociedade se apropria dos aparatos midiáticos e tecnológicos e se torna altamente hiperconectada, facilitando a circulação de informações de todo o tipo.
Por mais que o ambiente virtual já seja uma realidade da USP antes mesmo do surgimento da doença, é importante considerar que em situações de crises, estratégias precisam ser implementadas. Nesse caso específico, as narrativas circulantes precisavam ser contestadas, de modo que estes posicionamentos e condutas se revelaram de considerável importância histórica.
A essência da Comunicação Pública, segundo Jaramillo (2005), nasce da pergunta acerca da relação que existe entre comunicação e política, sendo mediada por dois conceitos: por um lado o conceito de público e por outro o conceito de política como construção de consciências.
En la esencia de esta idea de la comunicación pública está la certidumbre de que la comunicación es un bien público y que la información es otro bien público, y que es precisamente la apropiación hacia el interés individual de estos dos bienes públicos lo que hay que tratar de desenredar. Cuando se entiende esa naturaleza colectiva, pública de la comunicación y deja de obedecer a un propósito particular, cambia la intención, se comunica con otra intención, con una intención colectiva, y esto obliga a replantear todos los roles, a mirar de otra manera el papel que cumplen los sujetos que interactúan en la comunicación colectiva. Y ese comunicar colectivo en función de un interés colectivo a lo que apunta es hacia lograr la movilización (Jaramillo, 2003: 72)[3].
Essas diretrizes também norteiam o conceito de Comunicação Pública estabelecido por Jorge Duarte (2007). Segundo o autor, esse processo ocorre no espaço formado pelos fluxos de informação e de interação entre agentes públicos e atores sociais (governo, Estado e sociedade civil —inclusive partidos, empresas, terceiro setor e cada cidadão individualmente—) em temas de interesse público. Ele trata de compartilhamento, negociações, conflitos e acordos na busca do atendimento de interesses referentes a temas de relevância coletiva. A Comunicação Pública ocupa-se da viabilização do direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e à expressão. Assim, fazer Comunicação Pública é assumir a perspectiva cidadã na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo.
O objetivo central é fazer com que a sociedade ajude a melhorar a própria sociedade.
Nesse trabalho de qualificar a gestão do público, a CP pode ser fundamental para a) identificar demandas sociais; b) definir conceitos e eixos para uma ação pública coerente e integrada; c) promover e valorizar o interesse público; d) qualificar a formulação e implementação de políticas públicas; e) orientar os administradores em direção a uma gestão mais eficiente; f) garantir a participação coletiva na definição, implementação, monitoramento, controle e viabilização, avaliação e revisão das políticas e ações públicas; g) atender as necessidades do cidadão e dos diferentes atores sociais por obter e disseminar informações e opiniões, garantindo a pluralidade no debate público; h) estimular uma cidadania consciente, ativa e solidária; i) melhorar a compreensão sobre o funcionamento do setor público; j) induzir e qualificar a interação com a gestão e a execução dos serviços públicos; e k) avaliar a execução das ações de interesse coletivo (Duarte, 2007: 14).
Ainda de acordo com Duarte (2003), um dos braços da Comunicação Pública é a comunicação científica e isso pode ser verificado sob dois aspectos. Primeiro porque a Comunicação Científica se expande a partir de uma área tradicional da Ciência da Informação, a divulgação científica, à qual se somaram os conhecimentos e experiências acumulados no campo da difusão de informação que tem longa história no Brasil, em especial na agricultura e na saúde.
No setor agrícola, transformou-se em uma área específica de estudo e trabalho, a comunicação rural, que desenvolveu metodologias e estratégias apropriadas de comunicação para o homem do campo e sua família. De maneira semelhante, na saúde pública foram construídas estratégias de aproximação e informação para núcleos de populações necessitadas, onde o uso pedagógico da comunicação foi determinante para a melhoria das condições de vida. Trata-se, portanto, de um processo de comunicação construído e mantido pelo Estado, tendo em vista o desenvolvimento do país e de sua população. É justamente esta identidade pública e o espaço público em que atua que identifica a Comunicação Científica com a Comunicação Pública (Duarte, 2003: 49).
Em segundo lugar, a produção e a difusão do conhecimento científico incorporaram preocupações sociais, políticas, econômicas e corporativas que ultrapassam os limites da ciência pura e que obrigaram as instituições de pesquisa a estender a divulgação científica para além do círculo de seus pares. Iniciativas de divulgação científica tentam esclarecer, com argumentos baseados em métodos, experimentos e observações com uso de dados, o que pode ocorrer nas dinâmicas da vida cotidiana. Ao aproximar sociedade e ciência, essas ações somam esforços que podem contribuir, entre outros aspectos, para informar sobre riscos e formas de combater problemas na área de saúde pública, uma vez que a ComunicaçãoPública da ciência tem o papel de situar um país no mundo contemporâneo, por exemplo (Fayard, 1999).
As tecnologias de comunicação têm agido na reconfiguração dos espaços, bem como nas formas de sociabilidade e interação entre os indivíduos da sociedade. Nas redes sociais, pode-se dizer que cada instituição tem sua função e identidade cultural e a relação com o meio vai formando um ambiente coeso que representa a rede e essas conexões são percebidas como instrumento organizacional.
O acesso facilitado das pessoas às novas tecnologias trouxe diversas mudanças no comportamento da sociedade. Dentre as transformações estão o maior acesso à informação e a facilidade de comunicação, que ampliaram as possibilidades de expressão e socialização. Essa realidade apresenta reflexos diretos no processo de formação e exercício das relações de poder que são construídas e desafiadas em todas as áreas de prática social. Tais práticas, segundo Castells (2015), exigem uma compreensão da especificidade das formas e processos de comunicação socializada a partir de uma rede horizontal de comunicação, que o autor classifica como autocomunicação de massa.
Essas redes horizontais possibilitam o surgimento daquilo que chamo de autocomunicação de massa, que definitivamente amplia a autonomia dos sujeitos comunicantes em relação às corporações de comunicação, à medida que os usuários passam a ser tanto emissores quanto receptores de mensagens (Castells, 2015: 22).
Uma das formas de comunicação são as chamadas redes sociais online, que se caracterizam principalmente pela cooperação, intercâmbio de experiências e compartilhamento de informações e arquivos. As mídias sociais têm provocado mudanças expressivas a partir da criação de uma nova cultura comunicativa, forçando as estruturas organizacionais a promover uma revisão profunda da sua prática comunicacional. Exige-se a implementação de novas estratégias respaldadas na interação, na disposição para o diálogo, na articulação de uma lógica e de uma dinâmica não tradicional para a expressão dos seus discursos.
De acordo com De Grandi e Flores (2020), por meio das mídias, os periódicos científicos enxergam a oportunidade de aumentar a sua visibilidade dentro da comunidade científica e entre outros públicos. Bueno (2010: 5) acrescenta que a divulgação científica cumpre duas funções primordiais:
[...] democratizar o acesso ao conhecimento científico e estabelecer condições para a chamada alfabetização científica. Contribui, portanto, para incluir os cidadãos no debate sobre temas especializados e que podem impactar sua vida e seu trabalho, a exemplo de transgênicos, células tronco, mudanças climáticas, energias renováveis e outros itens.
Precisamos da ciência para compreender a pandemia, para enfrentá-la e para projetar o futuro. De fato, pesquisas mostram que, no mundo, o valor atribuído a ciência aumentou (Matthews, 2020). De acordo com Santos (2022: 13), esta percepção «entra em conflito com a distribuição social do conhecimento, que também aumenta e, de maneira paradoxal, a pressão pela desconfiança na ciência também aumenta. Em momentos de crise, apelos identitários crescem em valor». Os efeitos do aumento da desconfiança podem ser creditados à transmissão do conhecimento através de diferentes grupos, algo possibilitado pelo advento da internet. Alguns desses grupos se identificam em oposição à ciência, como é o caso dos movimentos de extrema-direita no mundo hoje e, em especial, no Brasil.
Considerando a informação como uma necessidade social, sendo a internet uma ferramenta potente para o acesso aos mais variados tipos de informação, Brüggemann, Lörcher e Walter (2020) pontuam que a ascensão das mídias digitais engajou uma multidão de vozes na Comunicação Científica, além de jornalistas e cientistas. Ainda segundo os autores, os padrões emergentes dessa comunicação parecem basear-se em normas de transparência, interpretação, defesa e participação.
Mas é importante salientar que mesmo dando vez e voz a todos que possuem acesso, a internet tornou-se um mar de navegação perigosa devido à quantidade de falsas verdades, desinformação, informação enganosa ou errônea, sob uma infinidade de formas e disfarces no que é mais conhecido por fake news (Forbes e Mintz, 2002). Botei (2017) afirma que, embora o termo não seja novo, o seu impacto só foi notado devido à disseminação de notícias falsas com o intuito de manipular e desinformar os indivíduos.
D’Ancona (2018: 46) credita esta realidade à «indústria multimilionária da desinformação, da propaganda enganosa e da falsa ciência que surgiu nos últimos anos». Ao falar sobre a desinformação no campo científico, a autora retorna ao ano 1954, quando foi criada a Comissão de Investigação da Indústria do Tabaco (Tobacco Industry Research Committee), um órgão financiado pela própria indústria, que tinha a finalidade de dar uma resposta à sociedade sobre a relação do ato de fumar com as doenças pulmonares. A ideia da Comissão foi questionar se havia um consenso científico, tendo como propósito atrapalhar a confiança do público ao estabelecer uma falsa equivalência entre as teorias cientificas que falavam que o cigarro causava doenças pulmonares e as que desafiavam essas teorias.
É possível inferir que a circulação de informações falsas, a depender dos interesses, sempre permeou a história da humanidade. Santaella (2019) ressalta que o novo em relação às notícias falsas é o surgimento de novos modos de publicar e de consumir informação e notícias que são pouco submetidas às regulações ou padrões editoriais. Segundo a autora, o sensacionalismo sempre atraiu a atenção por explorar sentimentos, mas a internet levou isso ao extremo, pois tornou-se difícil diferenciar o trágico factual do trágico fantasiado.
Ortellado (2019 apud Gorgulho) aponta que o Brasil é considerado um dos países com maior produção, circulação e consumo de notícias falsas do mundo. O contexto relacionado à COVID-19 tem sido marcado por um excesso sem precedentes da chamada infodemia. Caracteriza-se, segundo a Organização Pan-americana de Saúde (2020: 2), por «um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa». Relacionado a um tema, esse crescimento exponencial no volume de informações produzidas e amplificadas pelas redes sociais acarreta como potencial consequência o surgimento de rumores e desinformação, além da manipulação indevida, com o intuito de enganar muitas vezes.
A desinformação contemporânea requer, portanto, uma atualização consistente e sistemática do debate em torno das dimensões éticas, políticas e epistemológicas interconectadas da dialética da verdade e da mentira.
Em outras palavras, ainda que reconheçamos, por exemplo, as distinções entre mentira como falsidade deliberada ou como equívoco não intencional, ou entre verdade fatual, científica ou filosófica, ou ainda entre metáforas, metonímias, ficção, opinião, evidência etc., os extremos da má-fé ou do equívoco, de um lado, e da boa-fé ou da correspondência entre o entendimento e as coisas, de outro, não podem ser ignorados em sua oposição estrutural formal, ainda que em perspectiva histórica e intercultural, sob o risco da perda de qualquer parâmetro compartilhado de realidade. (Bezerra, Schneider e Capurro, 2022: 329)
A desinformação gera um ciclo perigoso ao se expandir na mesma velocidade de produção do conteúdo e da multiplicação da sua distribuição. Geralmente, o conteúdo está associado ao tipo de informação que a população mais busca e espera obter. Na COVID-19, as evidências de intervenções eficazes para combater e tratar a doença, os casos confirmados e as mortes, as notícias locais e internacionais, as intervenções sociais, a percepção de outras pessoas nas redes sociais e as fontes confiáveis foram alguns tipos de informações mais procuradas (OPAS, 2020).
Nesse cenário, instituições científicas e especialistas nas mais diversas áreas de saúde têm sido constantemente acionados para comunicar à população quais cuidados devem ser praticados na nova rotina de proteção e convivência com o Coronavírus. Assim esperado, as questões sobre a doença estão marcadamente presentes nos diálogos e interações do ambiente digital na atualidade, e as redes sociais têm-se mostrado ferramentas muito propícias à veiculação de informações.
O teor das publicações foi analisado a partir de uma categorização na tentativa de mensurar os esforços comunicacionais empreendidos na fanpage da USP entre 01 de fevereiro a 30 de abril de 2020. Optou-se por iniciar a análise antes da deflagração da crise sanitária pela OMS para verificar quais as abordagens já eram evidenciadas na página, uma vez que a doença foi registrada pela primeira vez em dezembro do ano anterior, na China, e o primeiro caso de infecção no Brasil foi identificado em 26 de fevereiro.
O foco do artigo foi o feed, isto é, a página inicial de notícias, local onde estão disponíveis as publicações realizadas ao longo do dia e conteúdos fixos. Como metodologia, utilizamos a análise de conteúdo (Bardin, 2011: 127), que «consiste essencialmente em operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas».
Nosso recorte compreende um período de 89 dias, no qual foram contabilizadas 137 postagens. Desse total, 93 mensagens foram direcionadas para assuntos que tratavam exclusivamente do Coronavírus, o que corresponde a 67,8 % da comunicação estabelecida pela USP no Facebook. É nesse universo que este trabalho será focado.
Foram estabelecidas três categorias de análise que nortearam a interpretação dos resultados obtidos:
a) Comunicação Administrativa: abrange todos os conteúdos relativos ao cotidiano da administração da universidade, atendendo as áreas centrais de planejamento e as estruturas técnico-normativas, com a finalidade de orientar, atualizar, ordenar e reordenar o fluxo das atividades funcionais.
b) Comunicação Política: promovem-se as boas relações do sistema organização-públicos, gerando valor à imagem e à reputação do atual corpo diretivo da universidade. São conteúdos que se referem a determinações e decisões da diretoria executiva das instituições e posicionamentos a respeito de questões que envolvem os governos.
c) Comunicação da Ciência: nesta categoria são elencados todos os conteúdos que têm o objetivo de projetar o conhecimento produzido nas universidades. Eventos acadêmicos e culturais, resultados de pesquisas, atividades de ensino, projetos de extensão, dentre outros, constam inseridos aqui.
Nos tópicos a seguir, serão apresentados os dados quantitativos de cada uma das categorias e as estratégias utilizadas para dar visibilidade ao assunto tratado. Acreditamos, assim, que será possível verificar qual o enfoque adotado pela página da USP, possibilitando inferir algumas considerações que nos auxiliem no mapeamento de estratégias comunicativas de instituições científicas em rede social virtual com os diversos públicos de interesse.
No quadro abaixo, é possível verificar o quantitativo de mensagens de cada categoria estabelecida:
Quadro 1. Quantitativo das postagens na USP sobre CoronavírusCoronavírus em referência à natureza da comunicação
Natureza da Comunicação |
Número de Postagens |
Percentual |
Comunicação da Ciência |
65 |
69,9% |
Comunicação Administrativa |
26 |
28% |
Comunicação Política |
02 |
2,1% |
Total Geral |
93 |
100% |
Fonte: Elaborado pelo autor.
O primeiro registro verificado na página sobre o Coronavírus foi realizado em 29 de fevereiro (figura 1). A publicação tratava de pesquisas sobre a infecção que já estavam em desenvolvimento na Universidade. A notícia sobre estudos em busca da cura para a doença também comemorava os avanços científicos que possibilitaram agilidade no mapeamento genético do vírus, que foi realizado em tempo recorde, apenas dois dias após a confirmação do primeiro caso registrado na cidade de São Paulo, que também foi o primeiro da América Latina. A mensagem também fazia referência à parceria da USP com a University of Oxford.
Figura 1. Primeira postagem sobre Coronavírus
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) [Facebook page], 2020.
A postagem acima foi o ponto de partida da fanpage da USP na abordagem dos assuntos que tratavam especificamente do Coronavírus. As estratégias adotadas na categoria «Comunicação da Ciência» versavam não apenas a difusão midiática das pesquisas em desenvolvimento nos laboratórios da universidade, mas, também, de reportagens em que pesquisadores contextualizavam as consequências da pandemia, bem como o avanço de pesquisas e descobertas feitas por outras instituições. Tais estratégias vão ao encontro do que afirma Jorge Duarte (2003) sobre a produção e a difusão do conhecimento científico, que, segundo ele, incorporaram preocupações sociais, políticas, econômicas e corporativas que ultrapassam os limites da ciência pura, obrigando as instituições de pesquisa a estender a divulgação científica para além do círculo de seus pares.
As publicações são feitas, em sua maioria, utilizando a estratégia de remediação, um conceito estabelecido por Bolter e Grusin (2000) que se estabelece quando elementos característicos de uma mídia se articulam em outra. Segundo os autores, as mídias digitais possuem grande capacidade de «remediar» praticamente todos os elementos de mídias anteriores, transformando igualmente a experiência que se tem desses veículos a partir de um duplo processo de aproximação e distanciamento. Esse comportamento está na possibilidade de aglutinar imagens, fotos, vídeos, textos, sons e outras linguagens em outra mídia, constituindo uma representação da representação.
Essa postura da USP de articular diversas mídias institucionais em sua fanpage encontra respaldo nos estudos de Wilson Bueno, para quem é crucial que os campos científico e midiático sejam cada vez mais próximos. Segundo ele, divulgação científica é uma atividade que utiliza «recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais) para a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo» (Bueno, 2010: 2). Dessa forma, o Facebook da USP funcionaria como uma espécie de «isca», ao despertar o interesse do público para acessar informações de forma aprofundada e detalhada.
As participações de pesquisadores da Universidade nos programas dos canais de rádio e TV eram evidenciadas. Foram nestas postagens que a fanpage trazia uma contextualização sobre a pandemia no Brasil e no mundo. Das 65 mensagens classificadas como «Comunicação da Ciência», 15 eram relacionadas a esse formato, ou 23%. Em uma delas, no dia 12 de março, a USP divulgava uma entrevista do professor Helder Nakaya sobre o incentivo de empresas internacionais na produção de imunizantes contra o Coronavírus. Nessa análise, o pesquisador já previa que a descoberta seria feita em tempo recorde, destacando os avanços tecnológicos que impulsionam o desenvolvimento científico (figura 2).
Figura 2. Pesquisadores da USP contextualizam a pandemia
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) [Facebook page], 2020.
Ainda no formato de postagens com divulgação dos programas de TV e de rádio, 18 publicações (27,8%) tratavam das pesquisas em andamento na USP ou de descobertas já feitas. No dia 07 de abril, por exemplo, um programa da Rádio USP foi inteiramente dedicado às pesquisas que demostravam os riscos da prescrição de medicamentos sem eficácia de tratamento comprovada cientificamente, citando o uso indiscriminado da cloroquina (figura 3). Já as outras 32 publicações, 49,2% do total da categoria «Comunicação da Ciência», foram anúncios de reportagens jornalísticas detalhadas, disponíveis exclusivamente no site Jornal da USP, que abordavam especificamente as pesquisas desenvolvidas na instituição.
Figura 3. Postagem sobre pesquisas desenvolvidas na USP
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) [Facebook page], 2020.
Figura 4. Postagem sobre as incertezas em relação à COVID-19
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) [Facebook page], 2020.
Para fins de demonstração dos eixos estabelecidos em nossa pesquisa, especificamos no quadro abaixo o quantitativo de postagens de cada um deles e um exemplo representativo que demonstra a abordagem escolhida pela Universidade. Com isso, foi possível verificar os caminhos da pesquisa científica, estabelecendo, assim, o «estado da arte» das descobertas acerca da doença durante o período de análise deste trabalho.
Quadro 2. Eixos temáticos das postagens sobre o Coronavírus
Eixos |
Quantitativo |
Postagem representativa |
Medidas de prevenção e conscientização |
23 |
Evitar sair, cancelar festas e reuniões e pensar no bem-estar dos que trabalham em nossas casas são alguns pontos destacados pelo cientista Renato Janine Ribeiro durante este período de isolamento. (19 de março) |
Tratamento |
17 |
Projeto desenvolvido na Escola Politécnica da USP quer obter em larga escala ventiladores pulmonares de baixo custo e de rápida produção para auxiliar no tratamento de pacientes. (14 de abril) |
Vacina |
11 |
Por meio da nova plataforma tecnológica, pesquisadores da USP pretendem conseguir chegar, nos próximos meses a uma candidata à vacina contra a COVID-19 que possa ser testada em animais. (16 de março) |
Testes para diagnósticos da doença |
9 |
Testes desenvolvidos na USP tornarão diagnóstico da COVID-19 mais rápido e acessível. (13 de abril) |
Medicamentos |
5 |
USP vai testar milhares de fármacos para tratar o novo Coronavírus. (13 de abril) |
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados coletados na fanpage da USP.
Percebe-se, portanto, que a comunicação da ciência estabelecida pela USP em sua fanpage empreende um esforço comunicacional com a utilização de diversos recursos possibilitados pelo meio midiático que, de acordo com Bueno (2010), são indispensáveis ao processo de divulgação, pois permitem transmitir o conhecimento científico para um público amplo, com o intuito de democratizar as informações e descobertas produzidas nos laboratórios de pesquisa.
Tal comportamento se faz ainda mais destacado frente ao contexto pandêmico que impôs condições ainda mais desafiadoras para o campo da ciência, não só pela busca de dar respostas rápidas à sociedade, ávida por uma solução do problema sanitário, mas, também, pelas informações falsas que circulam nas redes sociais. Uma preocupação que a USP demonstrou através de uma postagem feita no dia 23 de abril afirma que o conhecimento deve chegar até as pessoas, sob pena delas buscarem outros meios de informações (figura 5).
Figura 5. USP reforma importância da Comunicação da Ciência
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) [Facebook page], 2020.
Para além das estratégias utilizadas para fazer o conhecimento científico sobre o Coronavírus circular entre o público, a pandemia também determinou uma mudança nas rotinas das universidades. A suspensão das atividades presenciais e a implementação de novo modelo de ensino foi um desafio, pois além de uma nova metodologia, expôs o acesso desigual dos estudantes à tecnologia necessária para se manterem aprendendo. Segundo levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), mais de 1,5 bilhões de estudantes em 191 países ao redor do mundo foram atingidos pela suspensão das aulas e da rotina escolar habitual (UNESCO, 2020).
A preocupação em manter o público informado sobre as medidas adotadas esteve presente nas postagens e foram categorizadas como «Comunicação administrativa». O conjunto de mensagens, um total de 26, representando 28% do nosso recorte, tratou da implementação do modelo de educação a distância, de campanhas de conscientização sobre medidas protetivas, de esclarecer a comunidade acadêmica sobre as medidas adotadas no funcionamento dos seus mais diversos setores e mostrar as iniciativas que promoviam atividades online com a implementação de novas práticas de ensino (Duran, 2020).
Já as duas postagens classificadas como «Comunicação Política» são notas oficiais. Uma delas se trata de uma declaração de repúdio ao Governador de São Paulo, João Dória, que encaminhou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei que pretendia privatizar diversas instituições públicas, dentre elas a Onocentro, fundação que pertence à Faculdade de Medicina da USP e atua na fabricação de próteses e no desenvolvimento de pesquisas para combater o câncer. Diante da pressão da opinião pública, a proposta não seguiu adiante.
A outra nota, assinada em conjunto com diversas instituições de ensino e pesquisa do estado de São Paulo, critica o projeto de lei que prevê uma série de medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas, dentre elas a transferência do superávit de entidades de pesquisa e universidades para a Conta Única do Tesouro ao final de cada exercício para o pagamento de aposentadoria e pensões (Jornal da USP, 2020). A medida seria adotada com o intuito de lidar com o déficit orçamentário gerado pela pandemia do novo Coronavírus.
Neste trabalho, ao fazer uma análise retroativa das fanpages, é interessante observar como tudo se configurou diante do desconhecido. Assistimos praticamente em tempo real a comunidade científica se mobilizar diuturnamente em uma verdadeira corrida para dar respostas a questões como taxas de letalidade, potencial de transmissão, tratamento, formas de prevenção, medicamentos, vacinas, existência de outros efeitos ou sequelas no organismo dos que foram infectados. Desafios não apenas para cientistas diretamente envolvidos nas questões de saúde pública, mas, também, para pesquisadores da área de comunicação que se debruçam nas análises de dados e fatos, na tentativa de compreender como a sociedade percebe, interage e reage sobre questões relativas ao problema numa perspectiva midiática, na qual todos os meios são acionados para fazer circular as informações.
A experiência dolorosa da pandemia de COVID-19 mostrou, também, que a busca por soluções demanda democratização do conhecimento e das tecnologias desenvolvidas, além de criatividade e solidariedade entre todos os membros da sociedade, e isso inclui as instituições de ensino no seu papel de produzir conhecimento e assegurar a todos o alcance desses avanços da ciência.
Os ambientes complexos e turbulentos indicam a necessidade das diferentes organizações em estabelecer uma nova comunicação estratégica para se relacionar com públicos cada vez mais exigentes e numerosos. Marchiori (2008) revela que, para o processo de comunicação ser estratégico, é preciso que ele oportunize uma mudança, um novo comportamento, e não simplesmente informe sobre os acontecimentos, mas que faça sentido. Novas ações e percepções podem motivar os processos interativos, o que significa cooperar, participar, tornar comuns as discussões, as tomadas de decisões.
Assim, a comunicação estratégica constrói significados, aumenta a confiança, cria a reputação e gerência as relações simbólicas com os diferentes públicos, garantindo o suporte para o crescimento organizacional e a liberdade para atuar (Grunig et al, 2002).
A análise das postagens da fanpage da USP demonstrou a importância de não apenas produzir evidências científicas, mas de divulgar a ciência como ferramenta de saúde pública. Ao se apropriar de diversos instrumentos midiáticos e utilizar a sua página de rede social como «isca» para acionar seus diversos meios de comunicação, a USP encontrou uma forma de demonstrar que quanto mais as pessoas souberem sobre ciência —e como ela pode (e deve) ser usada—, torna-se menos provável que a desinformação ou distorção tenham impacto, e mais provável que as pessoas qualifiquem as informações.
Para além do desenvolvimento de pesquisas e sua publicização, outras situações também precisavam ser urgentemente comunicadas, como a suspensão repentina das atividades acadêmicas de forma presencial. Sendo as redes sociais um meio de mediação rápido e instantâneo, acreditamos que suas funcionalidades foram bem exploradas pela Universidade, ao dedicar um terço das suas publicações para informar sobre as determinações administrativas, na tentativa de tranquilizar os membros de sua comunidade acadêmica que, para além das questões que envolvem os riscos sanitários, se viram diante de incertezas que impactavam diretamente suas formações profissionais.
Com relação às questões políticas, a USP adotou um tom mais discreto, se atendo apenas ao posicionamento contrário a medidas que afetariam diretamente a sua estrutura administrativa e financeira. Uma postura mais incisiva, conforme defendido pelo editorial da revista The Lancet diante dos ataques à ciência e instituições feitos pelo Presidente Jair Bolsonaro, não se verificou na rede social da USP.
A preocupação com o papel social da ciência na sociedade durante a pandemia se mostrou evidente, e comprovou a necessidade de investimentos permanentes em infraestrutura e capacitação dos pesquisadores. Soma-se a isso a premissa de que o acesso às informações de ciência e tecnologia é fundamental para o exercício pleno da cidadania. A necessidade de posicionar a ciência no que se refere às decisões políticas e econômicas do país e sua legitimação perante a sociedade significa despertar o interesse da opinião pública, dos políticos, da sociedade organizada e, principalmente, da mídia. Para isso, é crucial que o campo científico e o campo midiático estejam cada vez mais próximos e conectados.
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[1] Pesquisa revela dados sobre “fake news” relacionadas ao novo Coronavírus [Internet]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-identifica-principais-fake-news-relacionadas-covid-19. Acesso em julho de 2020.
[2] Muitas organizações científicas, tais como a Academia Brasileira de Ciências e a ABRASCO, têm se oposto firmemente a Bolsonaro devido aos duros cortes no orçamento para a ciência e a um desmantelamento geral da seguridade social e dos serviços públicos. No contexto da COVID-19, muitas organizações têm lançado manifestos direcionados ao público, como o Pacto pela Vida e pelo Brasil, e feito declarações escritas e apelos aos membros do governo clamando por unidade e soluções em conjunto. Panelaços nas janelas como protesto durante pronunciamentos presidenciais acontecem com muita frequência. Há muitas pesquisas em andamento, da ciência básica à epidemiologia, e há uma dinâmica produção de equipamento de proteção pessoal, respiradores e kits para exames (The Lancet, 2020: 1461, tradução nossa).
[3] Na essência desta ideia de Comunicação Pública está a certeza de que a comunicação é um bem público e de que a informação é outro bem público, e que é precisamente a apropriação com vista ao interesse individual desses bens públicos o que se deve tratar de desenvolver. Quando se entende a natureza coletiva e pública da comunicação, ela deixa de obedecer a um propósito particular, muda-se a intenção, comunica-se com outra intenção, com uma intenção coletiva, e isso obriga a recolocar todos os papéis, a olhar de outra maneira o papel que cumprem os sujeitos que interagem na comunicação coletiva. E este comunicar coletivo em função de um interesse coletivo deve levar em direção à mobilização (Jaramillo, 2003: 72, tradução nossa).