index.comunicación | nº 7 (3) 2017 | Páginas 163-186
E-ISSN: 2174-1859 | ISSN: 2444-3239 | Depósito Legal: M-19965-2015
Recibido el 28_06_2017 | Aceptado el 29_07_2017
Do jornalismo de dados à narrativa hipermídia: um estudo de caso dos jornais brasileiros ‘Folha’ e ‘Estadão’
From data journalism to hypermedia narrative: a case study of Brazilian newspapers ‘Folha’ and ‘Estadão’
Del periodismo de datos a la narrativa hipermedia: un estudio de caso de los periódicos brasileños ‘Folha’ y ‘Estadão’
Juliana Colussi y Flávia Gomes-Franco e Silva | julianacolussi@gmail.com | flavia.gomes@urjc.es | Universidad del Rosario, Colombia | Universidad Rey Juan Carlos
Resumo: Na narrativa jornalística atual, nota-se a presença crescente de recursos hipermídia que implica em uma nova forma de contar histórias. O presente artigo propõe uma aproximação ao uso desses recursos a partir de uma análise comparativa de duas reportagens especiais, Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra e O Kirchnerismo na Argentina, publicadas respectivamente pelos cibermeios jornalísticos brasileiros Folha e Estadão em 2015. O objetivo principal deste trabalho é identificar os recursos próprios da narrativa hipermídia presentes nas publicações selecionadas para este estudo de caso, destacando o nível de interatividade com os usuários em cada uma delas. Para alcançar este propósito, optou-se por uma metodologia mista que combina revisão bibliográfica e uma série de categorias e variáveis que guiam a análise dos estudos de caso. Em ambas as reportagens, os resultados revelam uma tendência à linearidade textual devido à escassez de links no corpo do texto e às possibilidades limitadas de interatividade. Não obstante, observa-se um uso diferenciado, por parte dos dois jornais, dos diversos recursos técnicos e jornalísticos ao apresentar os dados aos usuários. Palavras-chaves: Cibermeios; ciberjornalismo; interatividade; narrativa hipermídia; Folha; Estadão.
Abstract: In the current journalistic narrative, we can observe the growing presence of hypermedia resources that entail a new way of telling stories. This paper proposes an approach to the use of those resources by conducting a comparative analysis of two special features, Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra and O Kirchnerismo na Argentina, that were made by the Brazilian journalistic cybermedia Folha and Estadão, in the year 2015. The main objective of this study is to identify the typical resources of the hypermedia narrative present in the elaboration of the publications selected for this case study, highlighting the level of interactivity with the users in each case. In order to achieve this goal, a mixed methodology has been used based on the revision of the specialized literature and a determination of a series of categories and variables that guide the analysis of the case studies. In both features, the results reveal a tendency to textual linearity due to the scarcity of hyperlinks in the body of the text and the limited possibilities of interactivity. However, we also observed a differentiated use, by the cybermedia, of the various technical and journalistic resources in the presentation of the data to the users. Keywords: Cybermedia; cyber journalism; interactivity; hypermedia narrative; Folha; Estadão.
Resumen: En la narrativa periodística actual, se observa la presencia creciente de recursos hipermedia que conllevan una nueva forma de contar historias. El presente artículo propone un acercamiento al empleo de dichos recursos mediante la realización de un análisis comparativo de dos reportajes especiales, Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra y O Kirchnerismo na Argentina, que fueron realizados por los cibermedios periodísticos brasileños Folha y Estadão, respectivamente, en el año 2015. Se plantea, como objetivo principal, identificar los recursos propios de la narrativa hipermedia presentes en la elaboración de las publicaciones seleccionadas para este estudio de caso, destacando el nivel de interactividad con los usuarios en cada una de ellas. Para lograr este propósito, se ha empleado una metodología mixta basada en la revisión de la literatura especializada y en la determinación de una serie de categorías y variables que guían el análisis de los casos de estudio. En ambos reportajes, los resultados revelan una tendencia a la linealidad textual debido sobre todo a la escasez de hipervínculos en el cuerpo del texto y a las posibilidades limitadas de interactividad. Sin embargo, se observa un uso diferenciado, por parte de los cibermedios, de los diversos recursos técnicos y periodísticos en la presentación de los datos a los usuarios. Palabras clave: Cibermedios; ciberperiodismo; interactividad; narrativa hipermedia; Folha; Estadão.
1. Introdução
O crescimento sem precedentes do volume de dados digitais é sem dúvida um novo desafio para os meios de comunicação no atual ecossistema jornalístico 2.0. O desenvolvimento das tecnologias no contexto da sociedade da informação tem facilitado o surgimento de ferramentas capazes de proporcionar e agilizar o acesso aos dados, além de melhorar o armazenamento, a publicação e o intercâmbio dos mesmos.
A amálgama de dados brutos criados de forma contínua no mundo inteiro é conhecida como big data. No entanto, a sua aplicação prática em diversos setores da sociedade –também como fonte de informação no exercício do jornalismo profissional– depende de um tratamento prévio que a transforme em um recurso e, consequentemente, em um produto.
Herrero-Solana e Rodríguez-Domínguez (2015) relacionam o conceito de big data com outras definições complementárias, como a data science, que se refere ao estudo prévio dos dados, e a data visualization, que estuda as suas formas de apresentação e visualização. Assim, os autores enfatizam a importância tanto da análise de uma imensa quantidade de dados sem processar, quanto da transformação desses dados em informação acessível ao público.
A pesar do avanço tecnológico, o fator humano, capaz de oferecer diversas leituras dos dados brutos com uma abordagem interpretativa, continua sendo insubstituível. “La tecnología es clave, es revolucionaria y es una importante oportunidad, pero a pesar de todo ello sigue necesitando la voz humana que la guía” (PuroMarketing, 2015). É evidente que o big data proporciona infinitas possibilidades de informação, tornando imprescindível o papel do profissional que realiza a filtração, o tratamento e a interpretação dos dados.
Em um ambiente caracterizado pela desintermediação herdada da diversificação do conceito de fonte de informação, Rodríguez Brito y García Chico (2013) apontam que “la figura del periodista cobra ‘otros’ sentidos en la selección, la interpretación, el análisis y la validación de datos, y la búsqueda de los nexos –no tan evidentes– entre las distintas aristas de la realidad”.
Por outro lado, Crucianelli (2013) destaca a dificuldade inerente a este processo e adverte que é preciso encontrar um significado tangível a partir do abstrato para que o público entenda que consequências podem ter determinados dados em sua vida diária.
O papel do jornalista de filtrar, decifrar, selecionar e contrastar inúmeros dados brutos é necessário para contar histórias complexas com uma linguagem acessível e também atrativa para a audiência. A este respeito, a visualização dos dados é um dos aspectos que se tornou particularmente relevante no jornalismo que, derivado do big data, provoca o surgimento de narrativas digitais inovadoras, dinâmicas e multimídia.
O jornalismo de dados se materializa através do novo storytelling jornalístico (Carrera Álvarez et al., 2013) e da visualização da informação. Seu ponto forte é a capacidade de contar histórias baseadas em vários dados provenientes de diversas fontes de informação (públicas ou privadas), fornecendo o contexto necessário para a compreensão, de modo que a narrativa seja capaz de atrair e reter a atenção do leitor. Para isso, é comum o uso da linguagem hipermídia, conforme indica o estudo realizado por Colussi e Firmino (2016) em que caracterizam os elementos da narrativa long-form.
Neste estudo são analisadas duas recentes manifestações do jornalismo de dados no Brasil: as reportagens especiais Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra, publicada pela Folha de São Paulo, e O Kirchnerismo na Argentina, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo[1]. Ambas as reportagens são narrativas que, de acordo com a literatura especializada, podem ser consideradas hipermídia, como será discutido mais adiante. Por um lado, a escolha dos periódicos se justifica porque se encontram entre os jornais com maior circulação do país[2] e, por outro, a seleção das reportagens ocorreu após observar o material e verificar a possibilidade de realizar um estudo exploratório, como o que se apresenta neste artigo. Além disso, ambas as reportagens abordam temas relevantes para o público brasileiro. O primeiro caso trata da conservação do meio ambiente propondo uma reflexão sobre as consequências climáticas do desmatamento em todas as regiões do país, e os interesses políticos e econômicos que regem as decisões governamentais em relação à preservação de certas áreas florestais. Já a reportagem sobre a Argentina traz um enfoque relevante considerando que o país vizinho sempre esteve presente na agenda política brasileira e, sendo parte do Mercosul, assim como o Brasil, o interesse acerca desse país ultrapassa as questões políticas, alcançando também aspectos econômicos.
2. Do ‘big data’ ao ‘data journalism’
A relação entre o big data e o jornalismo está no que hoje se denomina jornalismo de dados (data journalism). Porém, essa designação não indica que o jornalismo “clássico” não utilize os dados brutos como fonte de informação, mas sim ressalta o volume de dados trabalhados atualmente pelos profissionais de comunicação.
Para Crucianelli (2013), o jornalismo de dados é uma disciplina na qual se trabalha diretamente com o big data. A autora destaca a confusão que o termo jornalismo de dados (JdD) pode provocar, já que o trabalho do jornalista depende sempre do acesso aos dados com a finalidade de tratá-los a posteriori. “Corresponde, en realidad, llamarlo ‘periodismo de base de datos’ (PBD); pero, por uso y costumbre, predomina la denominación más corta” (Crucianelli, 2013: 106).
Independentemente do termo usado, muitos investigadores descrevem o jornalismo de dados como um processo composto por etapas sequenciais e interdependentes. De acordo com Bertocchi (2013: 103):
O jornalismo guiado por dados (ou simplesmente jornalismo de dados, em inglês data journalism) diz respeito ao processo jornalístico que vai da captura de dados e sua curadoria até a visualização em um formato a ser acessado pelos usuários finais nas interfaces digitais.
Para a autora, o jornalismo de dados se baseia nos dados cuja “noticiabilidade” ainda não foi identificada. Flores Vivar e Salinas Aguilar (2013) consideram que o jornalismo de dados se desenvolve em três etapas essenciais: a pesquisa jornalística, o conhecimento tecnológico e uma lei adequada de acesso à informação. Com base nos estudos de Giannina Segnini (Ramírez, 2012), os autores elaboram um esquema no qual se observam as citadas fases do jornalismo de dados (figura 1). O último passo seria a visualização criada por meio do uso de ferramentas de design gráfico.
Figura 1. Etapas do jornalismo de dados
Fonte: Flores Vivar e Salinas Aguilar (2013: 19) de acordo com Giannina Segnini (Ramírez, 2012).
Aplicando um raciocínio matemático, Crucianelli (2013) transforma a definição do data journalism em uma fórmula, de modo que este seria a soma dos seguintes fatores: jornalismo investigativo, jornalismo em profundidade, jornalismo de precisão, jornalismo analítico, Reportagem Assistida por Computador (RAC), big data, programação e visualização interativa. Segundo a autora, os resultados práticos do jornalismo de base de dados podem ser resumidos em quatro produtos: artigos com base em dados, visualizações interativas, conjuntos de dados abertos e aplicativos de notícias.
Nessa mesma linha, Barbosa e Torres (2013) se apoiam na base teórica do chamado Paradigma do Jornalismo Digital de Dados (Ramos, 2012; Barbosa, 2009; Machado, 2006) para afirmar que a realização empírica do mesmo ocorre nos novos modos de narrar os acontecimentos e de compor os itens informativos, bem como na variedade de formatos para a apresentação de conteúdo jornalístico.
As possíveis definições de jornalismo de dados (Bradshaw e Rohumaa, 2013; Gray e Bounegru, 2012; Rogers, 2011) se relacionam de forma clara com o conceito e a realidade da convergência. Infere-se, desse modo, que a narrativa jornalística cujas bases estão no big data pode ser desenvolvida de acordo com os preceitos da hipermídia (Landow, 1995) e da transmídia (Jenkins, 2003; 2006).
3. A construção da narrativa hipermídia
Quando os dados considerados noticiáveis são selecionados e interpretados, o jornalista profissional é quem deve transformá-los em uma narrativa sólida e, ao mesmo tempo, estruturada, acessível e intuitiva. No entanto, a criação e elaboração de uma reportagem especial, na qual são utilizados diferentes recursos tecnológicos, não só requer o trabalho do jornalista, mas também a colaboração de profissionais como programadores e designers.
Longhi (2010: 153) utiliza o termo “especial multimídia” para se referir ao que descreve como: “Grande reportagem constituída por formatos de linguagem multimídia convergentes, integrando gêneros como a entrevista, o documentário, a infografia, a opinião, a crítica, a pesquisa, dentre outros, num único pacote de informação, interativo e multilinear”.
Portanto, pode-se dizer que uma reportagem especial multimídia baseada em dados conjuga elementos que promovem tanto a interatividade quanto a leitura não linear. Em um estudo mais recente, Longhi (2015) traça uma linha do tempo mostrando a evolução dos formatos jornalísticos hipermídia e apontando as principais características de cada período:
→ O especial multimídia, cuja consolidação ocorre entre 2005 e 2009. Nessa fase, destaca-se sobretudo o uso do Flash Journalism e de infográficos online.
→ A grande reportagem multimídia (a partir de 2011 até o presente), etapa em que se dá prioridade ao jornalismo long-form –representado pelas extensas reportagens especiais– e às técnicas de web design imersivo, como o parallax scrolling.
De acordo com Rost (2006), a interatividade nos cibermeios jornalísticos pode oferecer ao usuário a possibilidade de escolher os seus conteúdos preferidos (interatividade seletiva) e de se manifestar nos espaços destinados à comunicação (interatividade comunicativa). Já Cebrián (2005) identifica quatro níveis diferentes de interatividade no ciberjornalismo: seletiva, dirigida pelo usuário ou user-driven, criativa e plena.
É importante recordar que a leitura não linear deriva da hipertextualidade. O termo hipertexto –hypertext em inglês–, criado por Theodor H. Nelson na década de 1960, refere-se a um tipo de texto electrónico possível devido ao avanço da informática e das técnicas de edição. Naquela época, Nelson explicava que:
Con ‘hipertexto’, me refiero a una escritura no secuencial, a un texto que bifurca, que permite que el lector elija y que se lea mejor en una pantalla interactiva. De acuerdo con la noción popular, se trata de una serie de bloques de texto conectados entre sí por nexos, que forman diferentes itinerarios para el usuario (Landow, 1995: 15).
A leitura ditada pelo hipertexto digital é ampla e extensiva, oferecendo muito mais possibilidades para o leitor que o formato plano e linear. Para Landow (1995), um hipertexto possui três características fundamentais: a intertextualidade, a descentralização e a intratextualidade. Tais características podem se relacionar com o modelo de navegação baseado nos links internos (micronavegação) e externos (macronavegação) considerando o trajeto percorrido pelo leitor durante a experiência e a navegação hipertextual. Colussi e Miguel (2015: 34) afirmam que: “Com o objetivo de produzir conteúdos mais dinâmicos e interativos, o ciberjornalismo aposta pelo uso da narrativa hipermídia, passando a explorar outros elementos além do link”.
Neste contexto, a narrativa hipermídia é, segundo Landow (1995), uma extensão do hipertexto que inclui outros elementos –tanto multimídia quanto hipertextuais– na hora de compor e visualizar a informação (áudio, vídeo, infográficos, etc.). Manovich (2001) defende que a relação existente entre o hipertexto e a narrativa se convertem na denominada hipernarrativa. Os links, neste caso, se transformam na parte visível da multidão de dados na qual se baseia o conteúdo informativo hipernarrado.
Gosciola (2003) considera que a narrativa hipermídia ocorre através de uma leitura não linear construída por meio do acesso simultâneo e interativo a conteúdos textuais e audiovisuais. Sua definição destaca a importância da experiência do usuário, já que cada leitor interage com a narrativa e a utiliza de um modo particular, estabelecendo uma trajetória própria de acordo com as suas preferências e interesses.
Assim, é possível inferir que a narrativa hipermídia faz sentido somente a partir do movimento. Pode-se dizer que a dinâmica desse tipo de relato depende da decisão do usuário de navegar pelos diferentes recursos disponíveis para ter acesso à informação e ativar, desta forma, a estrutura narrativa construída por meio da sobreposição de dados. A trajetória do usuário em uma narrativa hipermídia faz dele um construtor de labirintos (Leão, 2005).
Em suma, a visualização da informação exerce um papel decisivo em uma reportagem hipermídia. No entanto, é preciso destacar que a visualização não pode ser entendida como a mera implementação da interatividade ou da hipertextualidade. Para Cairo (2011: 38):
Visualización es aquella tecnología plural (esto es, disciplina) que consiste en transformar datos en información semántica –o en crear las herramientas para que cualquier persona complete por sí sola dicho proceso– por medio de una sintaxis de fronteras imprecisas y en constante evolución basada en la conjunción de signos de naturaleza icónica (figurativos) con otros de naturaleza arbitraria y abstracta (no figurativos: textos, estadísticas, etc.).
Pedroza, Bezerra e Nicolau (2013), em um estudo sobre as características das ferramentas Google Fusion Tables e Tableau Public aplicadas à composição visual da informação em infográficos, defendem o papel fundamental das representações gráficas que conjugam imagem e texto com o objetivo de comunicar de maneira satisfatória a informação baseada em dados. Os autores estabelecem uma relação direta entre os infográficos e as “estruturas hipertextuais construídas a partir da codificação visual de dados”.
Observando as narrativas publicadas pelos principais cibermeios jornalísticos do mundo, é possível afirmar que a visualização se tornou um elemento prioritário nas reportagens hipermídia. Doménech Fabregat e López Rabadán (2013: 140) afirmam que:
El diario estadounidense The New York Times, en su versión digital, fue uno de los pioneros en vislumbrar esta tendencia y se convirtió en pocos años en un claro exponente de una eficaz comunicación del texto informativo visual al mostrar las mejores imágenes informativas en sus más variados géneros.
A reportagem hipermídia, reunindo diferentes tipos de linguagem, torna-se acessível a um público amplo e diversificado. A partir da análise da revista estadunidense Mother Jones, Rodríguez Brito e García Chico (2013) concluem que “la utilización de varios formatos de contenido para apoyar su argumentación favorece el acercamiento de clases de usuarios disímiles”. Assim, é possível satisfazer o público afim à leitura e também o público que prefere ter acesso à informação por meio de conteúdos audiovisuais.
Finalmente, pode-se dizer que o data journalism se produz a partir de inúmeros dados brutos recolhidos de diferentes fontes, tanto públicas quanto privadas, os quais recebem um tratamento jornalístico que inclui, além de um importante trabalho de análise e interpretação, uma série de recursos capazes de torná-los acessíveis e atraentes à audiência. Em uma narrativa hipermídia, deve-se contemplar a capacidade de acessar arquivos em formatos variados, bem como infográficos, mapas interativos, galerias de fotos, vídeos ou slideshows.
4. Objetivos e metodologia
Dado que o objetivo principal desta pesquisa é identificar os recursos utilizados na composição da narrativa hipermídia de duas reportagens especiais, Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra e O Kirchnerismo na Argentina, publicadas respectivamente pelos cibermeios jornalísticos brasileiros Folha e Estadão em 2015, utilizou-se uma metodologia híbrida a partir da realização de um estudo comparativo.
Em primeiro lugar, realizou-se uma revisão da literatura especializada em jornalismo de dados e novas narrativas jornalísticas, que ampara o marco teórico construído antes da realização do estudo de caso de ambas as reportagens. Para delimitar as variáveis de análise do material selecionado, foram consideradas tanto as características do jornalismo de dados quanto os elementos da narrativa hipermídia, que são essenciais na construção da reportagem especial hipermídia. Portanto, as variáveis de análise e as categorias delimitadas são as seguintes:
a) Recursos narrativos: trata-se de verificar a composição da narrativa por meio do uso de texto, fotos, slideshows, infográficos, animações, newsgames, áudios, vídeos, links, ilustrações e outros elementos que estruturam a narrativa hipermídia. A delimitação desta variável se apoia na necessidade de identificar os elementos utilizados para a visualização de dados.
b) Tipos de link: é importante conhecer o destino de cada link inserido na reportagem. Para isso, definiu-se uma série de categorias a fim de identificar se os links enviam o usuário a outras partes dentro do site do próprio cibermeio, a outros meios de comunicação, a bancos de dados, a fontes de informação (instituições, pessoas, etc.), dentre outros.
c) Opções de interatividade: de acordo com os conceitos de Cebrián (2005) e Rost (2006), delimitaram-se quatro categorias –seletiva, comunicativa, criativa e plena– para verificar o nível de interatividade de cada reportagem analisada.
d) Tipos de interação com o usuário nos infográficos: com base em Cairo (2008), analisa-se o tipo de interatividade que os gráficos informativos propiciam ao usuário. De acordo com o autor, existem três tipos de interação entre o usuário e o sistema ou dispositivo: instrução, manipulação e exploração. A instrução se refere ao nível mais básico de interatividade, no qual o usuário indica ao dispositivo, por meio dos botões, o que deseja fazer. Na manipulação, o internauta pode alterar as características de determinados objetos no ambiente virtual, como o tamanho, a posição, a cor, dentre outros aspectos. Com a exploração, o usuário aparentemente tem liberdade de movimento no ambiente virtual. Para o autor, os exemplos de infográficos inspirados em videogames imersivos são escassos devido a razões técnicas e ao alto custo de produção.
e) Tipos de dados: com esta variável, pretende-se identificar os dados utilizados na elaboração dos infográficos incluídos em ambas as reportagens especiais. É importante detectar se os gráficos contam com informações políticas, econômicas, sobre o meio ambiente, etc.
f) Fontes de informação: o objetivo desta variável é distinguir as fontes de informação utilizadas nos gráficos, tais como fontes governamentais, bancos de dados públicos, empresas privadas, dentre outras.
5. Resultados
5.1. Os especiais
A reportagem Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra, da Folha, forma parte da série de especiais ‘Tudo sobre’, publicada pelo jornal desde dezembro de 2013. Além da introdução, o especial conta com quatro capítulos que abordam a questão do desmatamento, principalmente nas regiões Centro e Norte do Brasil –incluindo a Amazônia–, enfatizando como a economia da madeira e a criação de gado está prejudicando o meio ambiente.
Financiada por Climate and Land Use Alliance (CLUA), a reportagem contextualiza na introdução que o desmatamento é o que mais contribui para o aquecimento global. ‘Carne verde’, o primeiro capítulo do especial, mostra que dois terços da mata do estado do Mato Grosso (o maior produtor de gado do país) se transformaram em pastos. Em ‘Mato de valor’, mostram-se iniciativas como o Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), programa que oferece incentivos financeiros a tribos indígenas que ajudem a diminuir a emissão de CO2.
Como modernizar a produção nas florestas brasileiras é o tema do terceiro capítulo da reportagem da Folha. O encerramento com ‘Largados na selva’ revela que, em função da falta de alternativas econômicas e de assistência técnica, pequenos agricultores dos assentamentos, vistos como os vilões do desmatamento da selva, acabam se dedicando à pecuária e à venda ilegal de terras.
Para detalhar cifras económicas e relativas ao meio ambiente, além de demonstrar a situação em diferentes lugares da floresta brasileira, a Folha utiliza recursos hipermídia –slideshows, infográficos interativos dinâmicos em 3D e vídeos– para contar histórias.
Por outro lado, Estadão estrutura O Kirchnerismo na Argentina em três capítulos, mais a introdução. Para apresentar o tema, a reportagem aborda a história do país e suas riquezas culturais, além de explicar como funcionam as primárias presidenciais na Argentina. O primeiro capítulo repassa a trajetória dos presidentes que governaram a nação desde o Peronismo até a era Menem.
‘Governos Kirchneristas’ se referem às legislaturas de Néstor Kirchner e de Cristina Fernández de Kirchner, em que apresentam uma timeline com os principais fatos que marcaram o período transcorrido entre 2003 e 2015. Este capítulo traz também dados econômicos e sociais do país, com destaque para declarações de alguns políticos.
O fecho da reportagem apresenta uma análise sobre o futuro do Kirchnerismo. Considerando que 2015 foi ano eleitoral, relacionam os ajustes necessários na economia com o funcionamento do sistema eleitoral na Argentina. Ao longo do especial, utilizam-se principalmente infográficos estáticos[3] para que o público possa interpretar os dados econômicos e políticos.
De acordo com Longhi (2015), ambos os especiais correspondem ao que a autora denomina como grandes reportagens multimídia. Por meio do uso de HTML5, a narrativa nessas publicações se torna mais dinâmica, permitindo a inserção de formatos que promovem a imersão do usuário, como os newsgames (Busarello, Bieging e Ulbricht, 2012), ou outros formatos como o vídeo panorâmico. Por entender que esse tipo de produção, além dos recursos multimídia (áudio, vídeo, infográfico interativo, etc.), também incluem links –fazendo referência ao conceito de hipermídia de Landow (1997)– optamos por utilizar a denominação grande reportagem hipermídia.
Para desenvolver um produto jornalístico com esses recursos narrativos, os dois cibermeios contam com uma equipe de profissionais multidisciplinar (programadores, webdesigners, especialistas em visualização de dados, jornalistas ou editores de fotografias e vídeos). Isso fica claro na última parte de cada reportagem analisada, onde se encontra o expediente. Os meios de comunicação de referência costumam manter laboratórios de inovação tecnológica especializados no tratamento e visualização de dados, que se dedicam à criação de narrativas jornalísticas interativas e apps de notícias (Salaverría, 2015).
5.2. Construção da narrativa
Os elementos utilizados na estruturação da narrativa jornalística nestes especiais são determinantes para a criação de uma reportagem hipermídia, que inclui conteúdos multimídia e links. Considerando que o objetivo principal deste estudo é verificar a composição da narrativa hipermídia em ambas as publicações, na tabela 1, relacionam-se os recursos usados pelos jornais Folha e Estadão, assim como a frequência com que aparecem em cada especial.
Tabela 1. Recursos narrativos utilizados nas reportagens da Folha e Estadão
Recursos narrativos |
Folha |
Estadão |
Texto |
62 |
50 |
Fotografia |
62 |
43 |
Fotografia 360º com zoom |
2 |
0 |
Slideshow |
13 |
2 |
Áudio slideshow |
0 |
0 |
Infográfico estático |
6 |
7 |
Infográfico interativo |
11 |
1 |
Infográfico interativo dinâmico |
1 |
0 |
Infográfico interativo dinâmico 3D |
7 |
0 |
Animação |
0 |
0 |
Timeline |
0 |
1 |
Newsgame |
0 |
0 |
Áudio |
0 |
0 |
Vídeo |
8 |
10 |
Vídeo com autoplay |
1 |
0 |
Link |
8 |
3 |
Ilustração |
1 |
0 |
Outros |
0 |
3 |
Fonte: Elaboração própria |
.
Na estrutura da reportagem da Folha, destaca-se a produção de 64 fotografias, 25 infográficos e 9 vídeos. A inserção destes recursos, principalmente daqueles que favorecem a interatividade, como é o caso dos infográficos dinâmicos e as imagens panorâmicas, propiciam ao usuário um conteúdo jornalístico mais dinâmico.
As imagens estão distribuídas ao longo dos capítulos em três formatos diferentes: 1) a apresentação fotográfica tradicional, 2) a fotografia panorâmica e 3) o slideshow. A maioria das fotografias (59) forma parte de 13 slideshows com dois tipos de configurações distintas. No tipo mais utilizado pela Folha (8), o usuário deve clicar várias vezes para que a imagem 1 se transforme na imagem 2. Trata-se de um fluxo vertical de imagens, como se observa na figura 2.
Utilizado cinco vezes no especial, o segundo tipo de slideshow exibe as fotografias na horizontal, como mostra a figura 3. O slideshow não é automático, portanto o usuário precisa clicar nas flechas alaranjadas localizadas nas laterais ou nos pequenos círculos na parte superior da imagem.
Figura 2. Slideshow da Folha onde uma imagem se transforma progressivamente em outra
Fonte: Reprodução de Tudo sobre desmatamento zero[4].
Figura 3. Reprodução do slideshow da Folha em que as fotos aparecem na horizontal
Fonte: Reprodução de Tudo sobre desmatamento zero[5].
Conforme a tabela 1, o uso das fotografias intercala os blocos de texto que totalizam 62 telas, considerando uma média de 140 palavras por tela. Essa estrutura tem como base a linguagem textual, que se configura como o alicerce do jornalismo long-form, característico das grandes reportagens hipermídia.
O uso de 25 gráficos informativos dá dinamismo ao especial, já que a maior parte dos infográficos é: interativo (11), interativo dinâmico em 3D (7) ou interativo dinâmico (1). Chama-nos a atenção o uso dos de tipo interativo dinâmicos em 3D, os quais, além da interatividade, possuem elementos dinâmicos-animados. De acordo com a figura 4, a informação gráfica com desenho em três dimensões mostra de forma dinâmica a pecuária intensificada e o usuário tem a opção de utilizar o zoom. Nesta reportagem, identificamos uma menor incidência de infográfico estático (6).
A narrativa audiovisual compõe a estrutura da reportagem com a inserção de 9 vídeos, sendo um deles configurado com autoplay. Ao acessar o terceiro capítulo, automaticamente começa um vídeo no qual se veem cupins andando por um pedaço de madeira, ao mesmo tempo em que se reproduz o som natural da mata.
Figura 4. Infográfico interativo dinâmico em 3D utilizado no especial da Folha
Fonte: Reprodução do capítulo Carne verde[6].
Com relação à hipertextualidade, em toda a reportagem somente se encontram 8 links, dos quais a metade direciona o usuário ao site de gráficos informativos da Folha[7]. Ou seja, trata-se de um convite para que o internauta acesse outros infográficos do jornal produzidos no Tableau, um software de análise e visualização de dados[8]. Ao elaborar a informação gráfica, o programa automaticamente insere o link no perfil do jornal. Os demais links são de Open Street Maps, o software utilizado para desenhar os mapas que aparecem na reportagem. Isso significa que os links incluídos ao longo dos capítulos não buscam ampliar a informação do conteúdo nem oferecem transparência ao público.
Por outro lado, a reportagem do Estadão apresenta uma estrutura narrativa mais linear, composta por 43 fotografias, 10 vídeos e 8 infográficos (ver tabela 1). Destaca-se a falta de gráficos interativos e outros recursos, como o newsgame, que favorecem o dinamismo dentro de cada capítulo.
Das 43 fotografias apenas 11 formam parte de dois slideshows, que estão estruturados de forma que o usuário precisa arrastar o mouse para visualizar as imagens que mudam na horizontal, conforme se observa na figura 5. Também há a opção de ampliar as imagens ao clicá-las.
Tanto as fotografias como os vídeos estão intercalados com o volume de texto, composto por 50 telas com aproximadamente 120 palavras cada uma. Esta estrutura aproveita a ideia da grande reportagem tradicional da imprensa.
Figura 5. Exemplo de slideshow utilizado pelo Estadão na introdução da reportagem
Fonte: Reprodução de O Kirchnerismo na Argentina[9].
Dos 8 infográficos, apenas um é interativo. Refere-se a uma timeline composta por uma informação gráfica interativa na parte inferior e um slideshow que mescla conteúdo audiovisual com fotografias. Como se vê na figura 6, a timeline incluída no segundo capítulo exibe 6 vídeos e 12 fotos com uma descrição dos fatos que ocorreram entre 2003 e 2015 nos governos dos Kirchner. Ao clicar na data, localizada na lateral direita, o usuário avança na linha do tempo. Esta peça aparece como o recurso mais interativo da reportagem do Estadão, já que a partir do infográfico é possível acessar qualquer conteúdo específico da linha do tempo.
Figura 6. Timeline com infográfico interativo no especial do Estadão
Fonte: Reprodução de Governos Kirchneristas[10].
No que se refere ao uso do hipertexto, a análise revela que a reportagem sobre os Kirchner na Argentina inclui apenas três links, sendo que dois deles são interno (leva-nos a partes do especial), oferecendo ao usuário a possibilidade de avançar para informações que se encontram mais adiante no mesmo capítulo. O outro link nos direciona a um vídeo produzido pela TV Estadão. Portanto, trata-se de hipertextos que permitem uma navegação dentro da reportagem e que ampliam relativamente a informação, já que mantêm o usuário no próprio cibermeio (micronavegação).
Por último, convém destacar que o Estadão traz a reprodução de imagens em duas situações: a primeira se refere a uma notícia sobre a marcha reprimida na Argentina, publicada pelo jornal em 1982, e a segunda imagem é da propaganda eleitoral do então candidato Macri. Ademais, publicam-se 15 “olhos” com declarações e fotos de políticos argentinos, um recurso gráfico muito comum utilizado pelos jornais impressos que contribui para que o produto jornalístico multimídia seja menos dinâmico.
5.3. Opções de interatividade
A análise da interatividade nas reportagens estudadas baseia-se nas referências de Cebrian (2005) e Rost (2006), que aplicam o conceito aos cibermeios em geral, e de Cairo (2008) sobre infográficos interativos.
Considerando as opções de interatividade da reportagem da Folha, destaca-se a predominância das de tipo seletiva, que estão presentes nos infográficos interativos, nas fotografias 360º, onde o usuário pode mover a imagem e utilizar o zoom, nos slideshows e nos links. Convém ressaltar que a única forma de interatividade comunicativa possível ocorre no caso de que o usuário decida compartilhar o conteúdo por meio das redes sociais, utilizando uma das opções incluídas no especial –Facebook, Google+ e Twitter–.
Com relação aos infográficos interativos, identificamos os três níveis de interatividade na reportagem da Folha. Os infográficos interativos formam parte do que Cairo (2008) classifica como interação do tipo instrução, já que promovem o nível mais básico de interatividade do usuário com o conteúdo (sistema avança-retrocede). Nos infográficos interativos dinâmicos em 3D, observa-se tanto a manipulação no uso do zoom para ampliar ou diminuir uma área, como um nível de exploração reduzida.
Já a reportagem do Estadão sobre os governos da família Kirchner na Argentina, mostra-se insuficiente ao que se refere às opções de interatividade. Quanto ao nível seletivo, apenas dois slideshows, um infográfico interativo composto por uma timeline e três links oferecem essa possibilidade ao usuário. Assim como no especial da Folha, há a opção de compartilhar a publicação nas redes sociais Google+, Facebook e Twitter.
Sobre a interatividade nos gráficos informativos, verifica-se o uso da instrução, presente num único infográfico interativo que forma parte da linha do tempo. Neste caso, o usuário precisa clicar para avançar ou acessar ao vídeo ou à fotografia correspondente. Sendo assim, nenhuma das reportagens oferece ao público um canal de comunicação com os autores dos especiais nem com os cibermeios. Nesse sentido, nota-se que principalmente a reportagem da Folha busca avançar com relação à interatividade, mas em ambos os casos ainda falta incluir elementos mais dinâmicos que permitam ao usuário ter acesso a experiências de imersão no conteúdo.
5.4. Dados e fontes de informação
Neste tópico, apresentamos os tipos de dados utilizados e as fontes de informação consultadas para a elaboração dos infográficos em ambas as reportagens. A análise aponta que o especial da Folha usa cifras econômicas, além de dados sobre geografia e meio ambiente para contextualizar o tema abordado.
Com relação ao uso de fontes de informação, destaca-se que apenas uma minoria dos infográficos (20%) contém a referência das mesmas. Dos 25 gráficos, constata-se que só cinco revelam a fonte informativa, predominando a consulta a instituições governamentais: Contribuição Nacionalmente Determinada (INDCs, na sigla em inglês) referente ao Protocolo de Kioto, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) e Ministério Público Federal (MPF).
A reportagem do Estadão, por outro lado, prioriza dados políticos e econômicos da Argentina em diferentes períodos. Isso se justifica devido ao tema abordado na publicação. Ao analisar os infográficos, identifica-se que a minoria (37,5%) faz referência às fontes de informação. Em três das oito informações gráficas, mencionam-se as seguintes fontes: Management & Fit, Mercosul, Direção Nacional Eleitoral e Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC).
Embora o especial do Estadão revele as fontes informativas em uma porcentagem maior de gráficos que a Folha, ambos os jornais falham ao não indicar ao público a procedência da maioria dos dados utilizados nas reportagens. É importante indicar que os dados, nestes casos, são os que sustentam grande parte da informação usada na construção da pauta jornalística. Ou seja, a partir da pesquisa e tratamento dos dados –técnicas básicas do jornalismo de dados– geram-se visualizações de diferentes tipos, que convergem com outros elementos multimídia e links. Constata-se, portanto, falta de transparência dos jornais ao não revelar parte das fontes informativas consultadas. É mais: poderiam inclusive disponibilizar um link com os dados brutos utilizados na elaboração das reportagens –uma prática cada vez mais comum no jornalismo de dados–.
6. Considerações finais
A análise da composição da narrativa e da interatividade nas reportagens hipermídia selecionadas indica que a Folha utiliza uma maior variedade de recursos multimídia interativos que o Estadão. O especial sobre o desmatamento da floresta brasileira usa desde fotografias panorâmicas, que permitem ao usuário navegar pelas imagens, até vídeos com autoplay e três tipos diferentes de infográficos interativos. Além da interatividade básica, também utiliza o infográfico interativo dinâmico e o infográfico dinâmico em três dimensões. Já o especial sobre os Kirchner na Argentina se mostra insuficiente ao que se refere ao emprego de elementos multimídia.
Essa discrepância pode ter ocorrido devido à ausência de um laboratório de inovação tecnológica dentro das redações no momento da produção das peças analisadas. A respeito disso, num estudo recente em que analisa a estrutura de laboratórios de 31 meios de comunicação europeus e estadunidenses, Salaverría (2015: 403) revela que uma das principais funções deste tipo de equipe é explorar novas narrativas, formatos multimídia e jornalismo de dados: “Prestan especial atención a los trabajos infográficos y al periodismo apoyado en bases de datos”. Apesar do Estadão[11] manter uma equipe que se encarrega da elaboração dos infográficos e projetos de jornalismo de dados, como é o caso do Basômetro (Dantas, Toledo e Teixeira, 2014), parece que a inovação ainda não chegou aos seus especiais multimídia (Longhi, 2010). É o que indica a análise do caso estudado. Além das grandes reportagens multimídia (Longhi, 2015) produzidas por uma equipe própria da Folha, o jornal mantém o Folha SP Dados[12], que surgiu mediante um acordo com o Knight International Journalism Fellowship.
Quanto ao nível de interatividade, sinaliza-se que ambos os casos estudados mantêm uma estrutura narrativa linear, transformando as grandes reportagens em uma narrativa hipermídia pouco dinâmica. No caso da Folha, os distintos tipos de informação gráfica rompem de certa forma a linearidade se comparado com a falta de dinamismo do especial do Estadão.
Considera-se paradoxo o uso minoritário de links nas reportagens analisadas, já que o hipertexto é um dos pilares da narrativa hipermídia (Landow, 1997), contribuindo para a construção de um produto jornalístico não linear (Rost, 2006). Mais do que inserir poucos links ao longo das reportagens, costumam privilegiar links que direcionam o usuário ao próprio cibermeio (micronavegação) ou outra parte da mesma publicação. Essa dinâmica não favorece a ampliação nem a transparência da informação.
Se o jornalismo de dados se sustenta a partir do acesso a banco de dados públicos e/ou privados, seria lógico fazer referência à fonte informativa nos infográficos. Não obstante, essa situação ocorreu numa minoria dos gráficos informativos inseridos em ambas as reportagens analisadas. Outra prática recente nos cibermeios, que tampouco se identifica nos estudos de caso, refere-se ao fato de que os dados utilizados em uma reportagem estejam disponíveis online para acesso aberto por parte do público.
Apesar das limitações dos casos analisados no presente trabalho, este supõe uma contribuição aos estudos relativos aos novos formatos jornalísticos ao identificar as características da narrativa jornalística hipermídia –que se encontra em constante evolução– por meio de uma proposta metodológica ad hoc, além de relacionar o jornalismo de dados com a produção de reportagens especiais nos cibermeios. Portanto, é mister aprofundar nesta linha de pesquisa com o objetivo de conhecer e avaliar as tendências atuais em visualização e storytelling jornalístico no Brasil e no mundo.
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Para citar este artículo:
Colussi, J. e Gomes-Franco e Silva, F. (2017): ‘Do jornalismo de dados à narrativa hipermídia: um estudo de caso dos jornais brasileiros Folha e Estadão’, em index.comunicación, 7(3), 163-186.
[1][01] De agora em adiante, para simplificar a redação e a leitura, serão utilizados os nomes populares dos jornais mencionados: Folha e Estadão.
[2][02] De acordo com a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Folha ocupa o primeiro lugar no ranking de média de circulação da edição paga (impresso + digital) com 351.745 e o Estadão se encontra no quarto lugar com 237.901.
[3][03] Conforme o site do Estadão, o jornal publica infográficos estáticos na web desde outubro de 2010. Consultar: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/#37.
[4][04] Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/tudo-sobre/desmatamento-zero/mato-de-valor/
[5][05] Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/tudo-sobre/desmatamento-zero/mato-de-valor/
[6][06] Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/tudo-sobre/desmatamento-zero/carne-verde/
[7][07] Outros infográficos da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/
[8][08] Perfil da Folha em Tableau: https://public.tableau.com/profile/folha.infografia#!/
[9][09] Disponível em http://infograficos.estadao.com.br/internacional/kirchnerismo-na-argentina/
[10][10] Disponível em http://infograficos.estadao.com.br/internacional/kirchnerismo-na-argentina/capitulo-2.php
[11][11] O jornal mantém o Blog do Estadão Dados, onde publicam projetos especiais de jornalismo de dados e infográficos: http://blog.estadaodados.com/projetos-estadao-dados/
[12][12] O blog está disponível em http://folhaspdados.blogfolha.uol.com.br/ e, como comentamos, as reportagens hipermídia e infográficos da Folha se encontram em: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/