index·comunicación | nº 10(2) 2020 | Páginas 115-141
E-ISSN: 2174-1859 |
ISSN: 2444-3239 | Depósito Legal: M-19965-2015
Recibido el 08_04_2019
| Aceptado el 15_09_2019 | Publicado el 20_06_2020
https://doi.org/10.33732/ixc/10/02Limite
Taís Seibt
Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Brasil)
seibt.tais@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-2709-5658
Para citar este trabajo: Seibt, T. (2020). Limites e possibilidades do fact-checking
como prática social para aperfeiçoar a democracia: o Truco nos Estados
nas eleições brasileiras de 2018. index.comunicación, 10(2), 115-141. https://doi.org/10.33732/ixc/10/02Limite
Resumo:
O
artigo discute limites e possibilidades do fact-checking
(verificação de fatos) como prática social para o aperfeiçoamento da democracia
no século XXI. Com base nos resultados da pesquisa participante realizada no
projeto Truco nos Estados, da Agência Pública, durante as eleições
brasileiras de 2018, são apresentadas inferências sobre o contexto e o impacto
da checagem de fatos na promoção de uma agenda democrática tendo como
perspectiva teórica as mudanças estruturais do jornalismo. Conclui-se que há
espaço para o fact-checking se firmar
como uma prática jornalística para o aperfeiçoamento da democracia, porém sua
consolidação depende de um aprendizado psicocognitivo compartilhado por
jornalistas, agentes públicos e cidadãos.
Palavras chave: fact-checking; jornalismo de
verificação; eleições 2018; mudanças estruturais do jornalismo; democracia;
jornalismo.
Resumen: El artículo
discute los límites e posibilidades del fact-checking
(chequeo de hechos) como práctica social para perfeccionar la democracia en el
siglo XXI. Baseado en resultados de la investigación participante realizada en
el proyeto Truco nos Estados, de la Agência Pública, durante las
elecciones brasileñas de 2018, se presenta inferencias acerca del contexto y el
impacto del chequeo de hechos en la promoción de la democracia según la
perspectiva teórica de los cambios estruturales del periodismo. Se concluye que
hay espacio para que el fact-checking
se desarolle como una práctica periodística para perfeccionar la democracia,
todavia su consolidación carece de un aprendizaje psicocognitivo compartido por
agentes públicos y ciudadanos.
Palabras clave: fact-checking; periodismo de
verificación; elecciones 2018; cambios estruturales del periodismo; democracia;
periodismo.
Abstract: The
paper discusses limits and possibilities of fact-checking
as a social practice to improve democracy in the 21th century. In base on
results of participation research developed in the Truco nos Estados project, from Agência Pública, during the Brazilian elections 2018, the text
presents inferences about fact-checking context
and impact to promote a democratic agenda having as theorical perspective the
structural changes of journalism. It can be concluded that there is space to fact-checking develope as a journalistic
practice to improve democracy, but its consolidation depends of a
psicocognitive learning shared by public agentes and citizens.
Keywords: Fact-Checking; Journalism of Verification; Brazilian Elections
2018; Structural Changes of Journalism; Democracy; Journalism.
Ao longo do século XX, o jornalismo se consolidou nas
sociedades democráticas como uma prática discursiva comprometida com ideais de
verdade, objetividade e interesse público. Influenciado pelo espírito
positivista da época, o texto jornalístico passou a ser identificado por um
gênero discursivo específico, a ‘notícia’, baseada em fatos e evidências. Os
jornais assumiram o papel de fiscais do poder, guardiões da democracia ou ‘cães
de guarda da sociedade’.
A partir dos anos 1970, tensões entre jornalismo, política
e mercado, potencializadas por intensas transformações tecnológicas, promoveram
uma mudança paradigmática do jornalismo (Charron; Bonville, 2016), expressa nas
práticas discursivas dos jornais e dos jornalistas. Em um mercado de
hiperconcorrência de informação, os pesquisadores canadenses Jean Charron e
Jean de Bonville (2016) identificaram mudanças no tom e no formato dos textos
jornalísticos.
Até mesmo para informar, era preciso também entreter.
A subjetividade do interlocutor passa a ser cada vez mais exacerbada, o
jornalista busca diálogo com o leitor e a segmentação dos conteúdos fica cada
vez mais pautada pelas preferências de consumo. A esfera pública, então, é
reduzida a pequenos grupos de interesses específicos e poucos são os grandes
temas compartilhados na vida em sociedade. Nesse cenário, floresce o paradigma
jornalístico designado pelos teóricos canadenses como ‘jornalismo de
comunicação’.
As mudanças paradigmáticas – ou estruturais – do
jornalismo descritas por Charron e Bonville (2016) são inspiradoras para
estudar as transformações contemporâneas do jornalismo, muito embora o mercado
de hiperconcorrência de informação tenha atingido proporções não imaginadas
pelos pesquisadores quando concluíram seus estudos, no início dos anos 2000.
As ponderações dos autores acerca da diversificação de
suportes midiáticos e da hiperconcorrência de mensagens no ‘jornalismo de
comunicação’ têm como referentes mídias como CD, DVD e TV por assinatura. A
internet é citada somente no capítulo de apresentação da edição brasileira da
obra [1],
publicada em 2016. Passados 15 anos da publicação original dos canadenses,
diante de um ecossistema midiático dominado por plataformas digitais e
algoritmos (Bell; Owen, 2017), vemos mais do que a falência do modelo de negócio
do jornalismo tradicional: o novo ambiente, de múltiplos canais e informação
abundante, criou um paradoxo, a desinformação [2]
(Wardle, 2018).
Processos
democráticos ao redor do mundo vêm sendo impactados por esse ecossistema,
implicado também na criação de um ambiente de forte polarização política, o que
colocou em evidência novas práticas jornalísticas e iniciativas fora do mainstream. É o caso das agências
especializadas em fact-checking
(verificação de fatos), que se dedicam não a verificar informações apuradas
pelos jornalistas dentro de uma redação, e sim a classificar discursos públicos
com base em graus de veracidade.
De acordo com um levantamento recente do Duke Reporters’ Lab, o número de
projetos ativos de verificação de fatos mais do que triplicou desde o primeiro
levantamento, feito em 2014, passando de 44 para 149 iniciativas em 2018
(Stencel; Griffin, 2018, on-line). Há representatividade nos cinco continentes,
incluindo operações em lugares como Israel, Quênia, Coreia do Sul e até na
China.
Em
um discurso no 5º Global Fact-checking Summit, realizado em Roma, em junho de
2018, contando com 225 participantes de 55 países, Alexios Mantzarlis, então
diretor da International Fact-checking
Network (IFCN), destacou, no entanto, que «a influência cresceu muito
mais rápido do que os números» (Mantzarlis, 2018, on-line) das iniciativas.
Uma
evidência disso é o fato de o Facebook,
plataforma de mídia de grande influência nos processos eleitorais de 2016, que
envolveram a campanha pelo Brexit, no Reino Unido, e de Donald Trump, nos
Estados Unidos, firmou parcerias com agências de checagem para verificar
conteúdos suspeitos na rede social. A medida era uma aposta para frear a
desinformação em outros processos democráticos, como as eleições brasileiras de
2018. É a partir desse caso que se pretende discutir limites e possibilidades
do fact-checking no aperfeiçoamento
da democracia.
Na
tese de doutorado, cujo percurso serve como base para a redação deste artigo,
foi desenvolvido o ‘jornalismo de verificação’ como um tipo ideal (Seibt, 2019)
para estudar o fenômeno empírico observado no cotidiano dos jornalistas do Truco nos Estados, projeto da Agência Pública que atuou na
verificação de declarações de candidatos ao governo de sete estados
brasileiros, além da campanha presidencial de 2018.
O
estudo de caso foi desenvolvido nos moldes de uma pesquisa participante
(Peruzzo, 2006), uma vez que a autora atuou diretamente na reportagem e edição
para o Truco no Rio Grande do Sul.
Anotações em diários de campo e entrevistas com jornalistas foram as principais
fontes de dados empíricos para estabelecer relações entre as práticas,
processos e percepções dos jornalistas com as mudanças sociais em curso, a fim
de discutir a possibilidade de uma mudança paradigmática no jornalismo
contemporâneo. Essa construção metodológica é apresentada na segunda seção do
artigo.
Os
resultados da pesquisa, sintetizados na terceira seção, indicam que as
transformações do jornalismo são mais profundas do que ‘mudanças normais’ [3],
porém ainda prematuras para sustentar uma mudança paradigmática. O mais
importante é sublinhar que, embora a dimensão econômica do jornalismo tenha
impacto significativo na prática discursiva dos jornalistas – e é essa relação
que move a tipologia histórica das práticas jornalísticas de Charron e Bonville
(2016) – apenas encontrar uma nova forma de financiamento não resolve a
questão. Há um desgaste institucional mais significativo nas sociedades
democráticas contemporâneas, que atravessa desde os princípios normativos que
inspiram os jornalistas até o ambiente psicocognitivo em que o texto
jornalístico é decodificado no atual contexto sócio-histórico.
São essas as observações que sustentam a
hipótese de que estamos diante de um período pré-paradigmático (Kuhn, 1975) no
jornalismo contemporâneo. Nesse sentido, o ‘jornalismo de verificação’ enquanto
tipo ideal (Weber, 2014), ora apropriado para o estudo da prática de fact-checking, pode inspirar o estudo de
outras práticas jornalísticas ou até mesmo a criação de novos tipos. A
pesquisa, portanto, além de investigar como o jornalismo tenta responder às
tensões da democracia nos dias atuais, apresenta uma perspectiva teórica
inovadora, ainda que sua construção seja inspirada em clássicos da sociologia.
Sobremaneira, trata-se de um ensaio de ‘sociologia do jornalismo’ aplicável à
problematização do papel da imprensa na proposição de uma agenda democrática em
tempos de mudança.
Tipo
ideal é um instrumento teórico-metodológico criado por Max Weber, no início do
século XX. Considerado um dos fundadores da sociologia moderna, Weber se
utiliza de tipos ‘puros’ como modelos teóricos para compará-los ao observado na
realidade empírica.
Gerth
e Mills (1974: 78) esclarecem que ‘ideal’ nada tem a ver com idealização, no
sentido de que um determinado padrão devesse ser tomado como exemplar. Tampouco
o tipo ideal encontra correspondência direta no universo empírico, trata-se de
uma utopia. Ainda assim, para que tenha validade, ele precisa alcançar
evidência empírica, pois «sem a prova de que o desenrolar idealmente construído
do comportamento se realiza em alguma medida na prática, esse tipo de
lei, por mais evidente que seja, seria uma construção sem valor algum para o
conhecimento da ação real» (Weber, 2014: 7, grifos próprios).
Em
outras palavras, se a ação ideal-típica não se reproduz minimamente na ação
real, sua formulação não tem valor para o conhecimento sociológico. Charron e
Bonville (2016) se utilizam do método weberiano para descrever uma tipologia histórica
das práticas jornalísticas. «Na falta de poder descrever uma realidade de
maneira exaustiva, Weber sugere substituir essa descrição por um tipo ideal,
quer dizer, uma representação abstrata dessa realidade com apenas alguns traços
julgados típicos ou característicos pelo pesquisador» (Charron; Bonville, 2016:
36). Assim concebido, o tipo ideal é tomado pelos pesquisadores canadenses como
um guia para observar a realidade e formular hipóteses.
A
partir das características típicas do discurso jornalístico publicado nos
jornais do Quebec desde o século XVII até o final do século XX, Charron e
Bonville (2016) descreveram quatro tipos ideais de jornalismo: de transmissão,
de opinião, de informação e de comunicação.
No
‘jornalismo de transmissão’, o impressor age como elo entre ‘fontes’ e
leitores, não havia ainda uma identidade discursiva do jornalista e as gazetas
eram como ‘quadros de aviso’ para a comunidade empresarial. No início do século
XIX, floresce o ‘jornalismo de opinião’, quando o gazeteiro se coloca a serviço
de lutas políticas.
O
‘jornalismo de informação’ é gestado no século XIX e se consolida no século XX.
Num contexto sócio-histórico em que a industrialização e a urbanização
impulsionam trocas comerciais e a publicidade cria novas oportunidades de
negócio, a imprensa se distancia dos debates políticos e as empresas
jornalísticas se estabelecem como negócios comerciais. Os jornalistas passam a
ser trabalhadores assalariados e o discurso jornalístico passa a ter uma
identidade própria, cristalizada na notícia.
O
período também é marcado pela consolidação de direitos democráticos, como
liberdade de expressão e de imprensa, bem como o direito ao voto. Nesse
contexto sócio-histórico, fecundam valores do jornalismo enquanto profissão
orientada pelos ideais de verdade e objetividade, criando uma dicotomia entre
os objetivos empresariais (da organização jornalística) e os princípios profissionais
(dos jornalistas).
A
partir dos anos 1970, estimulado por inovações técnicas e pela liberalização
dos mercados, o ambiente midiático vive uma grande diversificação e passa a ser
caracterizado pela superabundância de oferta, fazendo despontar um ‘jornalismo
de comunicação’. Segundo Charron e Bonville (2016), a digitalização e a
miniaturização dos equipamentos e o desenvolvimento das telecomunicações coloca
em xeque as normas de produção, difusão e consumo de informação, afetando o
texto jornalístico.
Os jornalistas deixam
transparecer mais abertamente sua subjetividade e tentam estabelecer com o
público, cada vez mais ‘especializado’, laços de conivência e de
intersubjetividade. Os gêneros jornalísticos que dão amplo espaço ao comentário
(crônicas opinativas, de humor e temáticas, linha aberta etc.) estão em nítida
ascensão; a notícia, gênero por excelência do jornalismo de informação,
incorpora mais e mais julgamentos e comentários. O hibridismo entre o discurso
de imprensa e outras formas do discurso midiático é tolerado, até mesmo
encorajado: a ficção se mistura à realidade; notícias secundárias adquirem o
status de acontecimento; a informação se faz entretenimento e adota facilmente
o tom do humor ou um tom familiar, de conversa; a efusão e a emoção substituem
a explicação; o tom e o estilo do discurso promocional impregnam o discurso da
imprensa. (Charron; Bonville, 2016: 30).
O
sentido dado pelos autores ao termo ‘comunicação’ na definição desse tipo ideal
remete à prática inspirada pela comunicação interpessoal: os jornalistas
acionam todas as funções do discurso com o objetivo de simular uma comunicação
direta e personalizada com o público, tendo a acentuação da função fática do
discurso como um traço distintivo [4].
Nesse cenário, a notícia entra em declínio.
Cada
um dos tipos de jornalismo construídos por Charron e Bonville (2016) representa
um ‘paradigma jornalístico’, cuja elaboração remete ao estudo dos paradigmas
científicos de Thomas Kuhn (1975). Não está no escopo do artigo esmiuçar esse
conceito, em linhas gerais, pode-se dizer que o paradigma corresponde a um ‘sistema
normativo’, um conjunto de regras com uma prática fundamentada e reconhecida
pela comunidade jornalística (Charron; Bonville, 2016: 68).
Ao
longo da história, as práticas jornalísticas foram reproduzidas e aceitas
dentro dos paradigmas correspondentes, que sofreram alterações gradativas na
medida em que os contextos sócio-históricos de sua produção mudaram. Conforme
os desvios à norma vão se sobrepondo, o paradigma já não é mais reconhecido
pela comunidade e então ocorre uma ruptura.
Para
identificar tais mudanças paradigmáticas, os teóricos canadenses concebem seus
paradigmas numa perspectiva estrutural, fundamentada em 14 parâmetros que se
inter-relacionam nos paradigmas jornalísticos. São eles: texto jornalístico,
texto jornálico, prática jornalística, jornalistas, organização jornalística,
produção midiática, meios de comunicação, fontes de informação, fontes de
financiamento, público, práticas culturais e valores, instituições
socioculturais, direito e sistema político, economia.
É
a partir do entrecruzamento dos parâmetros estruturantes do paradigma
jornalístico que Charron e Bonville (2016) reconhecem os fatores de
transformação que levam à transição de um paradigma a outro ao longo da
história. Isso só é perceptível pela observação do que os teóricos canadenses
chamam de ‘sistema de jornais’, ou seja, no conjunto dos meios de comunicação
que coexistem num mesmo espaço-tempo.
O
último paradigma identificado pelos pesquisadores, como vimos, é o do ‘jornalismo
de comunicação’. As observações de Charron e Bonville (2016) acerca do cenário
midiático como se apresentava até a década de 1990 revelam um declínio gradual
da notícia e uma forte tendência à fragmentação do espaço público numa
sociedade em que os cidadãos se convertem, majoritariamente, em consumidores.
Na América do Norte, o capitalismo monopolista global já se encontrava em sua
fase mais avançada desde os princípios da década de 1980, portanto, havia, no
contexto analisado pelos teóricos canadenses, um forte apelo à ‘sociedade do
consumo’. Mas o desenvolvimento tecnológico estava ainda distante do patamar
atual, o que inspira a formulação da hipótese de pesquisa que serve como base
para este artigo.
Em
um relatório recente, os pesquisadores Emily Bell e Taylor Owen (2017) apontam
que o jornalismo passou por três mudanças significativas no seu modelo de
negócio e distribuição nas últimas duas décadas: a passagem do analógico para o
digital, o crescimento das mídias sociais e agora o domínio do mobile. Nessa última fase, o mercado de
atenção passou a ser dominado por empresas de tecnologia, forçando organizações
noticiosas a repensarem seus processos e estruturas.
Há um duplo movimento
decorrente dessas transformações: num primeiro momento, uma exacerbação da
hiperconcorrência, nos termos descritos por Charron e Bonville (2016); num
estágio posterior, são as consequências dessa exacerbação que criam condições
para o surgimento de novas práticas jornalísticas, como é o caso do fact-checking (Autor, 2019: 96).
Bell
e Owen (2017) tratam das eleições para a presidência dos Estados Unidos em 2016
para pontuar como mudou o cenário da mídia desde as eleições de 2008, expondo o
poder do Facebook na
disseminação de informação – e sua responsabilidade sobre isso. A partir de
2012, contam os autores, o Facebook incorporou novas ferramentas de engajamento
dos usuários com conteúdos do feed de
notícias e investiu fortemente no desenvolvimento de um algoritmo que
mantivesse os usuários mais tempo na rede social. Em novembro de 2014, Mark
Zuckerberg chegou a dizer que estava tentando criar «the perfect personalized
newspaper for every person in the world» [5]
(Bell; Owen, 2017: 59). Isso teria intensificado a criação de ‘filtros-bolha’.
A
partir de uma segmentação baseada em inteligência artificial, o Facebook potencializou
características de distribuição de conteúdo típicas do ‘jornalismo de
comunicação’. Porém, o mercado criado por esse algoritmo pode ser muito mais
perverso, como mostrou o escândalo da Cambridge Analytica, revelado no início
de 2018. Segundo um ex-funcionário da consultoria, a coleta de dados pessoais
de usuários da rede serviu para criar conteúdos sob medida para determinados
perfis de internautas durante a campanha de Donald Trump, assim como no Brexit.
E há ainda o uso de bots e conteúdos
patrocinados para contaminar o ecossistema.
Tudo
isso mobiliza o debate em torno da verificação de fatos, pelo menos na
comunidade jornalística. São essas as pistas que orientam a investigação sobre
como os parâmetros do paradigma jornalístico se inter-relacionam no ecossistema
de mídia contemporâneo, no qual se insere o ‘sistema de jornais’, para então
questionar se as transformações experimentadas na realidade concreta da prática
jornalística podem ou não impulsionar uma mudança paradigmática.
Assim, formula-se um tipo jornalístico desviante do «jornalismo
de comunicação» postulado por Charron e Bonville (2016). O ‘jornalismo de
verificação’ é concebido como um modelo teórico para ser acionado na comparação
com o objeto empírico observado, no caso, as práticas dos jornalistas do
projeto Truco nos Estados, nas
eleições brasileiras de 2018. Na tabela a seguir, são sintetizadas as
características do ‘jornalismo de verificação’ segundo os 14 parâmetros
estruturais do paradigma jornalístico e na relação com a tipologia histórica
das práticas jornalísticas de Charron e Bonville (2016):
Tabela 1. Quadro comparativo dos tipos ideais de jornalismo
Parâmetro |
Tipo ideal |
||||
Transmissão |
Opinião |
Informação |
Comunicação |
Verificação |
|
Texto jornalístico |
Correspondências sobre a atualidade econômica e sociopolítica estrangeira, que provêm sobretudo de leitores, de outros jornais ou de patronos do jornal. Também comporta notícias da vida pública ou privada de dirigentes políticos. |
Artigos sobre política e conteúdos factuais sobre comércio e transportes. |
Caracterizado por um tipo particular de texto, a ‘notícia’. Trata de assuntos diversos, mas principalmente de personagens do campo político, econômico, social, cultural etc. O objetivo é descrever a realidade. |
Práticas discursivas voltadas a atrair a atenção de um público cada vez mais específico, com o qual busca estabelecer vínculos baseados na intersubjetivi-dade, na distração e no prazer. |
Trabalha principalmente sobre conteúdos já conhecidos do público (discursos de dirigentes políticos, entrevistas à imprensa, conteúdos institucionais, virais da web) atribuindo a eles parâmetros de veracidade. |
Texto jornálico |
Comporta textos literários ou filosóficos sobre temas ligados à atualidade. Avisos comerciais se misturam a textos de interesse geral no layout. |
Textos literários para distrair o público burguês. |
O jornal se organiza em torno de uma estrutura temática, sendo que notícias e publicidade se diferenciam pela tipografia, disposição, layout etc. |
As empresas e os jornalistas mobilizam sua inteligência e imaginação para captar atenção do público diante de uma oferta midiática abundante. |
Conteúdos abundantes, vindos de diferentes fontes e em formatos diversos, incluindo comentários de leitores e postagens diretas de agentes políticos. |
Prática jornalística |
Acontecimentos relatados datam de várias semanas ou até meses. |
Textos de opinião defendem os interesses econômicos, sociais e políticos de grupos dos quais depende o jornal. Colagem sistemática de textos provenientes de outras fontes. |
A coleta e seleção de informações é de responsabi-lidade do jornalista. |
Exigências de rentabilidade criam restrições às quais jornalistas devem adaptar sua prática. |
Ênfase na verificação de conteúdos, incluindo apuração em bases de dados e uso de ferramentas para identificar manipulação de imagem (foto ou vídeo). |
Jornalistas |
O mesmo profissional atua como redator, tipógrafo e impressor. O jornal constitui uma renda complementar. |
São polivalentes, vindos do direito ou da literatura e consideram o jornalismo uma profissão passageira. |
Dependem do empregador tanto em matéria de remuneração quanto em conteúdo de seus artigos. |
Estratégias de reconhecimento profissional se sustentam nos interesses comerciais da empresa. A busca pela atenção dos leitores passa a ser uma preocupação legítima dos jornalistas. |
Buscam diferenciação pelas técnicas de apuração e verificação num mercado em que o acesso à mídia é universal e o conteúdo é gerenciado por algoritmos e plataformas não-jornalísti-cas. A transparência passa a ser um princípio normativo determinante. |
Organização jornalística |
O capital inicial é baixo e as organizações são fortemente influenciadas pelas relações de poder. |
O capital inicial é baixo |
Empresa industrial, com equipes numerosas e especializadas; nítida divisão do trabalho. |
A financeirização do capital redefine as exigências de rentabilidade das empresas, bem como políticas comerciais e editoriais. |
Perde protagonismo na distribuição de conteúdos, sofrendo com prejuízos financeiros e desinteresse do público. |
Produção midiática |
As técnicas de produção são rudimentares. |
As técnicas de produção são rudimentares. |
A fabricação do jornal exige equipamento pesado e caro. |
Novos serviços midiáticos à disposição de consumidores. |
Distribuição midiática concentrada em plataformas digitais facilita disseminação de conteúdos de diferentes fontes. |
Meios de comunicação |
Meios de expressão e transmissão concentrados na aristocracia. |
Vários jornais podem se dirigir simultanea-mente a um público restrito. |
Cada jornal visa o maior número de leitores e adapta conteúdos ao gosto da maioria. |
A oferta de conteúdos aumenta de forma exponencial. |
A oferta de conteúdos é abundante, distribuída principalmente em dispositivos digitais. |
Fontes de informação |
As informações e os pontos de vista expressos são influenciados pelas relações de poder. |
O jornalista está a serviço do político, avalista do equilíbrio orçamentário do jornal. |
São diversificadas e não têm acesso ao jornal antes da publicação. |
São diversificadas e não têm acesso ao jornal antes da publicação. |
São diversificadas e têm canais diretos de comunicação com seus públicos, em alguns casos promovendo desinformação. |
Fontes de financiamento |
Impressores são membros da aristocracia. |
Donos de jornais são ligados a grupos políticos. |
Grande quantidade de anúncios publicitários. |
Especialização temática faz aumentar valor comercial do produto a públicos e/ou anunciantes especializados. |
Desinteresse de anunciantes obriga jornais a buscarem fontes alternativas ou financiamento direto, por meio de assinaturas. |
Público |
O público é restrito, o sistema educacional mal se estende para a aristocracia e burguesia. |
O sistema educacional continua pouco desenvolvido. O público é restrito e ideologica-mente segmentado pelo conteúdo político. |
A vida urbana, o trabalho industrial, a participação na vida política e o aumento da eficácia do sistema escolar fazem com que o público corresponda a praticamente toda a população adulta. |
Os jornais buscam atrair a atenção não da maioria, mas de um público mais ou menos circunscrito, cujas preferências são sondadas. |
A polarização política e o acesso amplo a informações de outras fontes colocam jornais em posição de descrédito com determinados públicos. O público (não jornalistas) é também produtor de conteúdo – e de desinformação. |
Práticas culturais e valores |
O jornal não publica conteúdos que possam trazer ameaças à reputação de indivíduos ou às boas maneiras. |
Religião, ideologia e opinião política são critérios de segmentação do público. |
As notícias, principalmente as variedades e esportivas, são o conteúdo que mais pode atrair o público. |
O consumo individual leva à segmentação de interesses. |
A atuação individual na produção midiática e o crescimento de valores morais conservadores impactam na cobertura jornalística. |
Instituições socioculturais |
O jornal não publica textos que possam trazer ameaças à autoridade ou ao prestígio de dirigentes políticos. |
Os jornais defendem interesses econômicos e políticos de classes sociais em conflito. |
Os jornais procuram diversificar os conteúdos para atrair anunciantes e satisfazer consumidores. |
Os jornais apostam na especialização temática dos conteúdos para atrair comerciantes e leitores. |
Os jornais dão ênfase a atos e declarações de dirigentes políticos que tenham impacto na preservação das instituições e dos valores democráticos. |
Direito e sistema político |
O conteúdo é frequentemente submetido à censura prévia. |
O regime político solicita a participação apenas de uma minoria. Os jornais são instrumentos de combate sociopolítico. |
Aumenta a participação na vida política, econômica e cultural. |
A participação na vida política, econômica e cultural é grande. |
A participação na vida política, econômica e cultural é grande, porém é impactada por estratégias digitais, de forma premeditada ou não. |
Economia |
Condições de transporte e comunicação são precários. A economia está centrada no setor primário e no comércio. A renda fundiária constitui uma fonte importante de riqueza. |
A economia está centrada no setor primário e no comércio. O comércio internacional é a principal fonte de acúmulo de capital. |
A produção industrial é a principal fonte de acúmulo de capital. Existem condições técnicas e econômicas para produzir jornais volumosos. |
O consumo individual é a principal fonte de acúmulo de capital. A inovação técnica cria novas oportunidades para os consumidores. O capital financeiro rege as relações empresariais. |
O capital financeiro rege as relações empresariais. A inovação tecnológica atravessa todos os processos sociais, de trabalho e de governo, promovendo alterações profundas nas características e no funcionamento do mercado. |
Fonte: Seibt (2019: 232-4) a partir de Charron; Bonville (2016: 139-144).
Os
resultados que passam a ser discutidos na próxima seção decorrem de três formas
distintas de aproximação ao objeto empírico: o acompanhamento das rotinas de
trabalho dos jornalistas na redação do Truco,
da Agência Pública, em São
Paulo, antes do período eleitoral; o trabalho como fact-checker na cobertura das eleições de 2018 para o projeto Truco nos Estados; e entrevistas
estruturadas com jornalistas que participaram da cobertura. Por essas
características, define-se a pesquisa realizada como uma pesquisa participante.
A pesquisa
participante, nas vertentes mais avançadas de envolvimento do pesquisador e do
pesquisado na geração de conhecimento, é uma manifestação clara de busca de
novas premissas na produção do conhecimento científico que relativiza o
pressuposto de que o único conhecimento válido é o científico e que este só é
possível ser obtido se for construído segundo os cânones do empirismo, da
objetividade e da pretensa neutralidade, princípios estes construídos e reproduzidos
a partir da cultura científica ocidental de cunho positivista (Peruzzo, 2016:
5).
Esse
tipo de pesquisa serve «como forma de identificar inovações, virtudes e
avanços, mas também as falhas e os desvios de práticas comunicacionais»
(Peruzzo, 2006: 138). Complementarmente, seu empreendimento costura técnicas
típicas de um estudo de caso, como a observação direta, a consulta a
referências internas e externas e a realização de entrevistas – além da
vivência cotidiana das atividades do grupo.
No
intuito de responder ao propósito central deste artigo, que é apresentar
limites e possibilidades do ‘jornalismo de verificação’ como prática social
para o aperfeiçoamento da democracia, esta seção terá como recorte a
apresentação de resultados da pesquisa referentes à capacidade de influência do
jornalismo sobre o real. Por ter alto nível de congruência com parâmetros como
práticas culturais e valores, instituições socioculturais e também direito e
sistema político, essa parece ser a dimensão mais fértil para aproximar o
estudo das mudanças estruturais do jornalismo de uma discussão sobre o papel do
jornalismo na construção de uma agenda democrática.
Charron
e Bonville (2016) partem do pressuposto de que a produção jornalística exerce
influência sobre o real que ela tem a missão de representar. Por isso, o tipo
de jornalismo produzido corresponde ao contexto sócio-histórico adjacente e
vice-versa. O real representado por um jornal de 1800 difere profundamente do
real representado por um jornal dos anos 2000, segundo os autores. Assim,
compreender os valores socioculturais de um determinado espaço-tempo, bem como
a relação do jornalismo com esses valores é fundamental para tensionar as
mudanças do jornalismo.
Com
base nessa premissa, Charron e Bonville (2016: 222) examinam se são os atores
sociais que definem o real no jornal ou se é o jornal que empresta sua
definição do real aos atores para direcionar suas ações. Na tipologia histórica
das práticas jornalísticas por eles elaborada, fica evidente que a influência
do real no jornal e vice-versa foi mais equilibrada no ‘jornalismo de
informação’, e teria se invertido totalmente no ‘jornalismo de comunicação’.
No
paradigma do ‘jornalismo de comunicação’, os autores percebem que a mídia
exerce uma influência desproporcional sobre os valores socioculturais. A ‘sociedade
de consumo’ teria criado um ambiente em que a produção midiática pauta
comportamentos e ações mais intensamente do que comportamentos e ações sociais
sejam capazes de pautar a produção midiática, devido à forte interferência das
fontes de financiamento dos jornais na produção de conteúdo. Isso acaba
limitando a penetração editorial de certos temas no noticiário, o que reduz,
portanto, a influência do real sobre o jornal.
No
‘jornalismo de verificação’, parece haver novamente um equilíbrio nesse jogo de
influência, se considerarmos que a checagem de fatos trabalha em cima de
discursos que já estão públicos, ou seja, já compõem alguma dimensão do real
que o jornal pretende representar. Isso porque, na ‘sociedade em rede’, onde as
plataformas digitais de participação social são protagonistas, há uma
dependência menor dos veículos estabelecidos de mídia para que assuntos, marcas
ou ações ganhem visibilidade.
Além
disso, cabe pontuar que o real jornalístico no contexto contemporâneo já não é
mais restrito a um referente concreto, e sim a algo que ‘acontece virtualmente’.
Ronaldo Henn (2013) tem trabalhado na construção de um conceito de ‘ciberacontecimento’
que ajuda a compreender do que estamos falando ao acionar esse tipo de
referente do ‘jornalismo de verificação’. Para Henn (2013: 8), «as redes
sociais na internet são mais do que espaços de sociabilidade: são lugares
profícuos para a eclosão de acontecimentos».
O
conceito também comporta outros modos mais fluidos do acontecer na internet,
como um lugar que potencializa a circulação de notícias ou de conteúdos virais
que se transformam em notícia. Quando o fact-checking
promove a verificação de boatos e correntes de grande circulação na rede,
pode-se dizer que a produção jornalística está pautada por um
ciberacontecimento, e essa é uma forma de influência do real sobre os jornais,
da mesma forma quando a prática se vale de declarações públicas de grande repercussão.
É
nesse sentido que se restabelece o equilíbrio entre a influência dos atores
sobre o jornal e vice-versa, o que pode ser problemático para o aperfeiçoamento
da democracia. Excessivamente pautada pela verificação de boatos e correntes de
redes sociais ou de declarações polêmicas proferidas por agentes políticos que
reverberam na internet, a checagem de fatos pode acabar dando mais destaque a
assuntos menores do ponto de vista da agenda democrática. Ao invés de debater
grandes temas, a cobertura pode acabar dando ênfase a mentiras e falsas
polêmicas viralizadas nas plataformas digitais, dando a elas ainda mais
penetração e visibilidade.
No
caso do Truco nos Estados, os
jornalistas indicaram baixa preferência por conteúdos virais na seleção de
discursos para checagem. Após a cobertura das eleições 2018, foi distribuído um
questionário online aos 31 jornalistas que compuseram a equipe em sete estados.
O corpus contou com 17 respondentes, tendo representatividade em todos os sete
estados participantes da cobertura.
No
questionário, os jornalistas eram perguntados sobre seu grau de concordância
com um conjunto de afirmações, sendo 1 o nível mais baixo de concordância e 5 o
mais alto. Diante da afirmação de que a relevância do tema para o debate
público era o principal critério para selecionar uma frase para ser checada,
94,1% (ou 16 dos 17 respondentes) concordaram fortemente (níveis 4 e 5 no
gráfico abaixo, onde 1 = discordo fortemente e 5 = concordo totalmente):
Gráfico 1. Relevância do tema como critério de seleção de frases para checagem
Fonte: Seibt, 2019: 179.
O
Manual de Checagem do Truco [6] indica cinco pré-requisitos para a
seleção de frases, sendo o primeiro ‘ter relevância para o debate público’.
Ainda no questionário online, o critério de relevância para o debate público
teve significativamente mais importância para os jornalistas do que a
repercussão do tema em redes sociais, indicado como fonte de seleção de frases
por 41,2% dos entrevistados (opções 4 e 5 no gráfico, onde 1 = muito raramente
e 5 = muito frequentemente):
Gráfico 2. Repercussão em mídias sociais como critério para selecionar frases checáveis
Fonte: Seibt, 2019: 180.
Se
o caso do Truco nos Estados é pouco
ilustrativo de como conteúdos virais representam um fator de influência dos
atores sociais sobre o real jornalístico, diferentemente de outras iniciativas
de checagem de fatos [7], a influência do jornal sobre os
atores pôde ser dimensionada pelo impacto das frases verificadas sobre os
discursos dos candidatos: 47% dos jornalistas indicaram níveis mais altos de
influência no discurso dos candidatos (níveis 4 e 5 no gráfico, onde 1 = pouco
impacto e 5 = muito impacto):
Gráfico 3.
Impacto das checagens nos discursos dos candidatos
Fonte: Seibt, 2019: 195.
O Truco
orientou os jornalistas, durante a cobertura das eleições 2018, a alimentarem
um relatório de impacto, no intuito de gerar métricas mais qualitativas para
avaliar a cobertura.
Um exemplo de impacto observado na pesquisa
participante foi a checagem de um dado sobre concentração de terras no Rio
Grande do Sul citado em um plano de governo. O dado usava como referência o
Censo Agropecuário 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), porém em julho de 2018 o IBGE publicou novos dados do Censo
Agropecuário 2017, que alteravam a proporção.
A checagem atribuiu o selo ‘verdadeiro’ ao dado
original, considerando o período de referência, mas apresentou a atualização do
dado no texto. O conteúdo foi republicado pela página oficial do Facebook
do candidato e ele passou a citar, em entrevistas e debates, o dado atualizado,
ainda que sem fazer referência direta à checagem.
Houve também um caso em que, após a imprecisão de um
dado ser apontada na checagem, o programa eleitoral de televisão do candidato
inseriu letras miúdas abaixo do número destacado na tela, deixando claro o
recorte do dado em destaque.
De alguma maneira, esse tipo de ajuste qualifica o
debate público, podendo contribuir para uma agenda democrática mais
transparente e precisa. Mesmo que o eleitor não acesse diretamente o conteúdo
da checagem, a correção do discurso pelo agente político verificado acaba tendo
impacto indireto no cidadão.
Ainda na esfera do impacto no discurso dos candidatos,
é possível identificar influência dos atores sociais no real jornalístico a
partir de resultados da pesquisa participante no Truco nos Estados. A metodologia do Truco orienta o contato
prévio com quem proferiu a frase verificada para informar qual etiqueta de
classificação de veracidade [8]
será atribuída. Houve casos em que a consulta provocou ajustes no texto antes
da publicação.
Para citar um exemplo, ao mencionar indicadores
educacionais durante um debate na televisão, um candidato acertou o percentual,
mas se equivocou quanto à fonte do indicador. O próprio candidato entrou em
contato com a redação para questionar o selo ‘falso’ que lhe seria atribuído.
Em sua defesa, disse que indicar corretamente a taxa de crescimento naquele
indicador era mais importante do que atribui-lo à fonte correta – um selo ‘falso’
passaria ao eleitor a mensagem de que o percentual é que estava errado. A
decisão editorial foi usar o selo ‘sem contexto’, o que permitiria chamar
atenção para a imprecisão: o indicador era verdadeiro, mas não provinha daquela
fonte.
Nessa perspectiva de interlocução entre atores
políticos e jornalistas, a checagem de fatos enquanto formato discursivo do
jornalismo apresenta possibilidades interessantes para o aperfeiçoamento da
democracia. Mas há uma limitação relevante: o ambiente psicocognitivo no qual o
‘jornalismo de verificação’ se apresenta como tipo desviante do paradigma do ‘jornalismo
de comunicação’. O apelo à função fática do discurso exerce ainda uma
influência muito forte na definição do real para o leitor, o que implica
admitir que já não é prerrogativa apenas dos jornais a construção discursiva da
realidade (Alsina, 2009).
É talvez aí que esteja o maior risco advindo das plataformas
sociais de mídia aos processos democráticos, em especial quando líderes
políticos violam normas não escritas da democracia, que incluem a ideia de que
presidentes devem dizer a verdade em público e que respeitem o trabalho da
imprensa independente como um bastião da democracia (Levitsky; Ziblatt, 2017:
189).
A estratégia de deslegitimar o processo eleitoral e o
trabalho da imprensa, além de renunciar ao compromisso com informações críveis,
foi observada por Levitsky e Ziblatt (2017) em diferentes países, incluindo os
Estados Unidos de Donald Trump. Paralelos com o observado nas estratégias de
campanha de Jair Bolsonaro, eleito presidente do Brasil em 2018, são
inevitáveis. Mas o caso brasileiro teve um fator extra: o conjunto de
restrições impostas ao uso eleitoral do Facebook pode ter contribuído para
inundar o WhatsApp com boatos mal-intencionados, como escreveu a
diretora do Aos Fatos, Tai Nalon, para o The Washington Post logo após o
segundo turno.
Um
estudo conduzido pelo Aos Fatos em parceria com o International Center for
Journalists (ICFJ) mostrou que um em cada quatro usuários de internet no Brasil
usa o WhatsApp semanalmente para encontrar informações sobre atualidades
(Nalon, 2018, on-line). A relação dos brasileiros com o aplicativo passa por
questões socioeconômicas importantes, a começar pelos padrões de acesso da
população à internet: praticamente 95% dos acessos à internet são via celular –
e metade dos usuários acessa a rede unicamente via celular (IBGE, 2018,
on-line).
Ainda, 60% dos planos de telefonia móvel são da
modalidade pré-paga (Nascimento, 2018, on-line). Nesses planos, o mote da
propaganda costuma ser o acesso ilimitado a redes sociais. Ou seja, o WhatsApp
faz chegar informações sem consumir o plano de dados móveis e sem gerar custos
adicionais, enquanto sites jornalísticos, além de consumir dados, restringem o
acesso com mecanismos de paywall. E há mais um ingrediente a ser dosado
nessa receita: segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf), gerado
pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, quase 30% da população
brasileira têm dificuldades para interpretar textos e identificar ironias
(Fajardo, 2018, on-line).
Num
ecossistema midiático com essas características, o ‘jornalismo de verificação’
encontra barreiras significativas para ser reconhecido pelo público, o que
restou evidente no questionário respondido pelos jornalistas do Truco nos
Estados: 12 jornalistas (70,6%) assinalaram níveis mais altos de
dificuldade nesse quesito (4 e 5 no gráfico, onde 1 = muito fácil e 5 = muito
difícil):
Gráfico 4. Dificuldade para gerar engajamento dos leitores
Fonte: Seibt, 2019: 202.
Parte dessa dificuldade pode ser associada à já
mencionada campanha de enfraquecimento da credibilidade da imprensa patrocinada
por agentes políticos que se tornaram populares recentemente. Nos Estados
Unidos, Donald Trump apontou o dedo para a CNN e disse ‘you are fake news’ (vocês são fake news).
Através de um telão instalado na principal avenida da maior cidade brasileira,
São Paulo, o então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, disse a milhares de
pessoas, uma semana antes do segundo turno, que o jornal Folha de S. Paulo, um dos principais veículos de comunicação
brasileiros, é ‘a maior fake news do Brasil’.
As
agências de checagem são ‘acusadas’ por apoiadores de Bolsonaro de serem
esquerdistas, até mesmo grandes corporações de mídia, como a Rede Globo, tradicionalmente
identificada com grupos políticos e econômicos de grande influência social no
Brasil, é agora taxada de ‘comunista’ por grupos políticos conservadores.
Ataques orquestrados a jornalistas em redes sociais se tornaram frequentes como estratégia para mobilizar a
opinião pública contra práticas jornalísticas que investigam – ou checam – quem
está no poder.
Na
luta contra a desinformação, o ‘jornalismo de verificação’ ficou refém dessa
segmentação de público, de corte político, fortemente influenciada por fatores
externos, concernentes a parâmetros do paradigma jornalístico como direito e
sistema político, práticas e valores culturais, instituições socioculturais e
economia.
Pelo observado na pesquisa que suporta este artigo,
valores socioculturais, religião, preconceitos, valores morais e patriotismo
estiveram fortemente associados a conteúdos enganosos que circularam nas
eleições de 2018: o suposto uso do programa Mais Médicos [9]
para financiar o regime socialista cubano, ou então a criação de um imaginário ‘kit
gay’ [10]
para ser distribuído em escolas públicas são alguns dos exemplos de mensagens
que foram desmentidas por agências de checagem ao longo da campanha (Seibt,
2019: 203).
Some-se
a isso o fato de que raramente um usuário acessa a checagem de um conteúdo
falso que ele mesmo recebeu (Guess; Nyhan; Reifler, 2018), o que se explica
também pela barreira de segmentação do público implicada na polarização
política favorecida tanto por algoritmos de plataformas sociais quanto por um
ambiente psicocognitivo em que fatos objetivos têm menos influência sobre a
opinião pública do que emoções e crenças – um ambiente de ‘pós-verdade’
(Oxford, 2016, on-line).
Um
dos indicativos de que esse cenário representa uma limitação importante para
que a prática de verificação obtenha maior reconhecimento social e possa se
converter em um instrumento efetivo de aperfeiçoamento da democracia foi o
baixo nível de influência das checagens no público final observado pelos
jornalistas do Truco nos Estados,
como mostra o gráfico (onde 1 = pouco impacto e 5 = muito impacto):
Gráfico 5.
Impacto das checagens no público final
Fonte: Seibt, 2019: 105.
São
limites importantes que impõem um grande desafio à consolidação do ‘jornalismo
de verificação’ como alternativa para que o jornalismo cumpra seu papel de
aperfeiçoamento da democracia e possa configurar uma possível mudança
paradigmática do jornalismo, pois o próprio conceito de paradigma implica uma
compreensão compartilhada do papel do jornalismo pelos jornalistas, pelos
agentes políticos e pelos cidadãos.
Resta
evidente, a partir do caso observado, que há potencial de impacto do ‘jornalismo
de verificação’ sobre os discursos dos atores públicos, ainda que o fact-checking
tenha sido pouco efetivo para frear a desinformação nas eleições brasileiras de
2018, o que representa uma limitação importante.
Em vias de conclusão, é fundamental para o devido
debate dos resultados ora apresentados diferenciar o ‘jornalismo de verificação’
enquanto modelo teórico – um tipo ideal – e o fact-checking como sua manifestação empírica mais representativa. O
fact-checking pode não se firmar
enquanto formato discursivo, mas suas características típicas podem inspirar
outros formatos, que comportam limites e possibilidades similares para o
aperfeiçoamento da democracia.
O que se pretende chamar atenção a partir do fact-checking para desenhar o ‘jornalismo
de verificação’ como tipo ideal é que, a exemplo da notícia no ‘jornalismo de
informação’, a checagem de fatos se apresenta como uma prática discursiva
característica do jornalismo no atual contexto sócio-histórico. Igualmente a
exemplo dos traços distintivos da notícia enquanto formato discursivo, seus
predicados extrapolam para outros formatos jornalísticos, em especial no que
tange aos princípios normativos da prática jornalística.
No
momento em que a notícia emerge como um texto específico ao ‘jornalismo de
informação’, a comunidade dos jornalistas compartilha fortemente um ideal de
objetividade. Princípios normativos como verdade e objetividade têm alta
congruência com os valores socioculturais e o sistema político da época. Ao
estudar as iniciativas pioneiras de fact-checking
nos Estados Unidos, Lucas Graves (2016) pontuou seu surgimento como um ‘movimento
de reforma’ do jornalismo, que elevaria novamente ideais de verdade e
objetividade ao centro da prática jornalística.
O
estudo realizado no Truco nos Estados
durante as eleições brasileiras de 2018 revelou que os jornalistas têm uma
percepção diferente: transparência foi o princípio normativo mais fortemente
associado à prática de checagem de fatos (Seibt, 2019: 190). No prefácio de uma
versão revisada de The Elements of
Journalism, publicada em 2014 e ainda sem tradução para a língua
portuguesa, Kovach e Rosenstiel dão ênfase à transparência:
We argued a decade ago that a transparent
method of verification was the most important tool for Professional journalists
trying to answer doubts to the public had about their work. Now it is also a
way to invite the public into the production of the news, to create a
collaborative journalism that is better than either journalists or citizens
could produce alone [11] (Kovach;
Rosenstiel, 2014: XIV).
Kovach e Rosenstiel (2014) abrem o prefácio à edição
revisada distinguindo princípios de práticas. Defendem que o que define o
jornalismo são seus princípios, mais do que suas práticas. «É possível, segundo
os autores, reproduzir as mesmas práticas sob outros princípios. Uma ‘notícia
falsa’ é exatamente isso: algo que imita, que aparenta ser notícia, mas não é,
porque está em desacordo com os princípios do jornalismo» (Seibt, 2019: 231).
Mas para que isso faça sentido, é necessário haver um ambiente psicocognitivo
favorável, no qual o jornalismo e os elementos do jornalismo preocupem todos os
cidadãos, «because the distinctions between citizen and journalist, reporter
and editor, audience and producer are not vanishing but blurring» [12]
(Kovach; Rosenstiel, 2014: X).
Segundo
os autores em referência, para sobreviver nesse ecossistema de mídia com
fronteiras borradas, todos os cidadãos devem entender e aplicar os elementos do
jornalismo, o que implica assumir, como jornalistas, o papel não de árbitros,
mas facilitadores da verdade. Como destaca Claire Wardle (2018, on-line),
muitos dos conteúdos compartilhados em espaços fechados ou efêmeros, como
grupos de WhatsApp ou Instagram
Stories, que são habitados somente por amigos e familiares e recheados
de mensagens emotivas e desproporcionalmente visuais, não são checáveis pelos
critérios de fact-checking. Assim,
uma agenda de educação midiática seria impositiva para que o jornalismo cumpra
um papel de relevância no aperfeiçoamento da democracia.
Além
do fact-checking, o ‘jornalismo de
verificação’ pode encontrar validade empírica em outros formatos jornalísticos,
como a curadoria de conteúdos, o jornalismo explicativo e até mesmo a notícia.
O essencial da construção ideal-típica proposta na pesquisa e exposta
parcialmente neste artigo é posicionar as transformações contemporâneas do
jornalismo numa perspectiva sociológica mais ampla, que permite observar as
mudanças para além do colapso de financiamento dos jornais como negócio.
As pessoas continuam procurando «todos os dias
informações sobre a atualidade, ler as notícias, ter compreensão sobre os
acontecimentos», como disse Jean Charron em entrevista recente (Charron apud
Guilhermano, 2018: 5), mas raramente procuram jornais, pelo menos no Brasil. O
já citado levantamento conduzido pelo Aos
Fatos em parceria com o International
Center for Journalists, logo após as eleições de 2018, mostrou que 57%
dos internautas têm como principal fonte de notícias WhatsApp e aplicativos de mensagem ou então redes sociais, como Twitter e Facebook (Nalon, 2018, on-line).
Nesse
sentido, a visão de Charron (2018) acerca do financiamento dos jornais pode ser
questionada. Por outro lado, a observação do pesquisador de que há um
aprofundamento do ‘jornalismo de comunicação’, se considerarmos que «a ideia do
jornalismo de comunicação é um jornalismo que acentua a função fática, a função
do contato» (Charron, 2018 apud Guilhermano, 2018: 4), parece adequada.
Reconectar-se com o público para ampliar a apropriação de técnicas de
verificação e promover um ambiente psicocognitivo mais propício ao ‘jornalismo
de verificação’ exige contato, diálogo.
Por
isso, a pesquisa realizada não permite descartar que as transformações
contemporâneas sejam ‘mudanças normais’ na
estrutura do jornalismo – e não necessariamente resultem numa mudança de estrutura. Porém, há indícios
igualmente fortes de que as mudanças são mais profundas, o que permite supor a
existência de um período pré-paradigmático. «Hoje em dia, as mudanças são tão
rápidas que talvez esteja havendo uma mudança paradigmática escondida que nós
não percebemos e que nós veremos futuramente» (Charron apud Guilhermano, 2018:
8).
Observar os esforços do jornalismo para se
reposicionar como prática social para o aperfeiçoamento da democracia exige
aprofundar a compreensão do contexto sócio-histórico contemporâneo. A
sociologia do jornalismo proposta por Charron e Bonville (2016), inspirada em
Weber (2014), oferece instrumentos para isso, ao chamar atenção para os
parâmetros estruturais do paradigma jornalístico.
O
propósito da pesquisa, cujos resultados são apresentados parcialmente neste
artigo, é inspirar mais investigações que possam aperfeiçoar ou até mesmo
desconstruir o ‘jornalismo de verificação’ como tipo ideal na perspectiva das
mudanças estruturais do jornalismo. Explorando outros métodos de pesquisa e
outros formatos jornalísticos, pode-se chegar a considerações mais precisas
sobre os limites e possibilidades do ‘jornalismo de verificação’ na promoção de
uma agenda democrática mais adaptada ao contexto sócio-histórico contemporâneo.
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[1] Natureza e Transformação do Jornalismo foi publicada originalmente no Canadá em 2004 e estava disponível somente em francês, até ser traduzida para o português em 2016.
[2] Pesquisadores da área têm evitado usar a expressão ‘fake news’, que se popularizou como sinônimo de ‘notícia falsa’. Além de a terminologia ser problemática em si, devido à presunção de compromisso com a verdade que caracteriza a notícia, a expressão teve o sentido banalizado no debate político, sendo usada para atacar a imprensa quando esta contraria interesses ou correntes políticas. Desinformação é a expressão em voga para caracterizar, de forma mais ampla, o fenômeno da comunicação contemporânea que passa por conteúdo enganoso, mal-intencionado, compartilhado por meio de inteligência artificial, impulsionado por mecanismos de marketing digital, entre outros, e seu respectivo impacto na opinião pública.
[3] Dentro de uma estrutura, há ‘mudanças normais’, ou seja, transformações internas à estrutura, e há mudanças mais profundas, capazes de descaracterizar a estrutura por completo, a ponto de ela já não ser mais reconhecível (Charron; Bonville, 2016: 104). Essas são as mudanças estruturais.
[4] As funções do discurso apropriadas por Charron e Bonville (2016) partem de Roman Jakobson (1963). «Segundo Jakobson, todo discurso opera com seis elementos (um emissor, um destinatário, um contato, um código, um referente e uma mensagem) aos quais correspondem seis funções discursivas» (Charron; Bonville, 2016: 34). As funções discursivas são: referencial (centrada no objeto da mensagem, o referente), expressiva (centrada no destinatário), conativa (visa fazer o destinatário agir), metalinguística (remete ao código do discurso), fática (remete à ligação entre emissor e destinatário) e poética (centrada na estética da mensagem). A função fática seria exacerbada no ‘jornalismo de comunicação’.
[5] «O jornal mais perfeitamente personalizado para qualquer pessoa no mundo» (Tradução livre).
[6] O Manual de Checagem é um material de referência interno, que foi distribuído à equipe do Truco nos Estados.
[7] Até pela parceria firmada com o Facebook, iniciativas como Aos Fatos e Lupa, por exemplo, deram maior ênfase na verificação de conteúdos virais, mesmo que também tenham feito checagens de declarações de candidatos em volume significativo.
[8] O Truco nos Estados contava com sete selos de veracidade nas eleições 2018: falso, exagerado, subestimado, sem contexto, discutível, impossível provar, verdadeiro.
[9] O programa Mais Médicos foi lançado em 2013, no governo Dilma Rousseff (PT), para levar médicos a áreas onde faltavam profissionais. O programa admitiu médicos estrangeiros, o que atraiu milhares de profissionais de Cuba ao Brasil.
[10] Conteúdos virais sugeriram que, durante o período em que o candidato do PT, Fernando Haddad, esteve à frente do Ministério da Educação (MEC), nos governos Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT), a pasta teria produzido materiais escolares que incentivavam a ‘homossexualidade e a promiscuidade’ entre os adolescentes. De fato, em 2011, convênio firmado pelo MEC com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) desenvolveu vídeos tratando de homossexualidade, transexualidade e bissexualidade no projeto ‘Escola sem Homofobia’. O projeto foi criticado pela bancada evangélica, que deu ao material o apelido de ‘kit gay’.
[11] «Argumentamos, há uma década, que um método transparente de verificação era a ferramenta mais importante para jornalistas profissionais que tentavam responder a dúvidas do público sobre seu trabalho. Agora a transparência também é uma maneira de convidar o público para a produção de notícias, para criar um jornalismo colaborativo melhor do que jornalistas ou cidadãos poderiam produzir sozinhos» (Tradução livre).
[12] «[..] porque as distinções entre cidadão e jornalista, repórter e editor, público e produtor não estão desaparecendo, mas sim obscurecendo» (Tradução livre).