index·comunicación | nº 10(2) 2020 | Páginas 11-34
E-ISSN: 2174-1859 | ISSN: 2444-3239 | Depósito Legal: M-19965-2015
Recibido el 27_05_2019 | Aceptado el 15_09_2019 | Publicado el 20_06_2020
https://doi.org/10.33732/ixc/10/02Umperc
Beatriz Marocco
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Brasil)
bmarocco@unisinos.br
http://orcid.org/0000-0003-3914-1217
Para citar este trabajo: Marocco, B. (2020). Um percurso para esboçar o ‘novo intelectual’ que se faz necessário no jornalismo contemporâneo. index.comunicación, 10(2), 11-33. https://doi.org/10.33732/ixc/10/02Umperc
Resumo: Este texto pretende elaborar um percurso teórico para constituição da figura do ‘novo intelectual’, proposta por Gianni Vattimo, com sua associação às ações de três repórteres. Eliane Brum, Alexandra Lucas Coelho e Adriana Mabilia adotaram, dentro e fora das mídias, um outro modo de objetivação jornalística, posicionando-se como críticas das práticas jornalísticas, em oposição aos ‘intelectuais-jornalistas’, identificados por Bourdieu. Elas fornecem evidências dessa figura na produção do ‘livro de repórter’, onde analisam o seu campo, interrogam postulados e fornecem evidências do exercício de um modo singular de objetivação jornalística. Em práticas de liberdade, se aproximam da ‘acontecimentalização’ e do ‘poliedro de inteligibilidade’, distanciam-se dos valores de negócio que as mídias ofertam à sociedade misturados a noções clássicas de democracia e liberdade de expressão.
Palavras chave: novo intelectual; crítica das práticas jornalísticas; jornalismo; práticas de liberdade
Resumen: Este texto esboza una proposición teórica para la figura del ‘nuevo intelectual’ de Gianni Vattimo, a través de su asociación à las acciones de tres reporteras. Eliane Brum, Alexandra Lucas Coelho y Adriana Mabilia adoptaron, dentro y en el afuera de los medios, un outro modo de objetivación periodística, posicionándose como críticas de las prácticas periodísticas, en oposición a los ‘intelectuales periodistas’ nombrados por Bourdieu. Ellas esbozan tal figura en la producción del ‘libro de reportero’, donde analizan su campo, interrogan postulados y fornecen evidencias del ejercicio de un modo singular de acción periodística. En sus prácticas de libertad, se acercan de la ‘evenementalization’ y del ‘poliedro de inteligibilidad’, alejándose de los valores del negocio que los medios ofrecen à la sociedad mesclados a las nociones clásicas de democracia y libertad de expresión.
Palabras clave: nuevo intelectual; crítica de las prácticas periodísticas; periodismo; prácticas de libertad
Abstract: This text intends to elaborate a theoretical path for the constitution of the figure of the ‘new intellectual’, proposed by Gianni Vattimo, with his association with the actions of three reporters. Eliane Brum, Alexandra Lucas Coelho and Adriana Mabilia adopted, inside and outside the media, another mode of journalistic objectification; positioning themselves as critiques of journalistic practices, as opposed to the ‘intellectual journalists’ identified by Bourdieu. They provide evidence of this figure in the production of the ‘reporter's book’, where they analyze their field, questioning the principles and giving evidences that with this action they undertake a movement of individualization deviating from the collective authority prevailing in the disciplinary regime of journalism and expressing a desire not to conform to the norms and political will of others.
Keywords: New Intellectual; Journalist; Critic of Journalistic Practices; Journalism; Freedom Practices
À medida que a liberdade de expressão é reconhecida como regra do jogo democrático e qualquer um pode tomar a palavra para expressar suas ideias, o jornalismo foi cristalizado como uma instituição da democracia e estruturado em uma linguagem comunicacional normatizada e regulada pela objetividade jornalística. O que as mídias têm demonstrado desde o século XIX é que essa regra pactuada com a sociedade dá consistência à retórica fundacional, mas frequentemente é desrespeitada por ações efetivas que invisibilizam acontecimentos e silenciam certos indivíduos (Marocco, 2004; Marocco, 2019). Diante dessa ambiguidade de figuras clássicas, como ‘quarto poder’ e ‘cão de guarda da democracia’, o presente texto recolhe sinais da emergência de uma outra figura de jornalista: o ‘novo intelectual’, que teria a tarefa de ajudar na formação dos modos de se entender a «integralidade da experiência individual e social que se subtrai à esquizofrenia tecnológica» (Vattimo, 2016: 36-37). Para essa figura, a quem caberia decifrar o que permanece oculto no domínio midiático, o filósofo italiano Vattimo imaginou um caminho que vai da fenomenologia à ontologia da atualidade. Com uma série de negativas, o filósofo italiano esboça as características deste sujeito:
[...] não mais soberanos e conselheiros dos soberanos quer dizer certamente imaginar um papel novo e ainda por definir-se do intelectual – não cientista, não técnico, mas algo mais semelhante ao padre ou ao artista: padre sem hierarquia, porém, ou quem sabe, artista de rua. Menos fantasiosamente, pode-se pensar em uma figura que tem muito a ver com a história ou a política (2016: 37).
Na lacuna de identidade dessa figura deixada por seu criador, parte-se da premissa de que intelectual e jornalista têm praticado historicamente no Brasil ações de revezamento entre os dois campos e em outros espaços (literatura, universidade, política etc.). Na trajetória histórica das duas figuras, cujo chão é a linguagem, pode-se localizar o vínculo de ambas com as mídias desde a imprensa moderna, ou ainda na fusão de noções como «intelectuais-jornalistas» (Bourdieu, 1994: 06), «jornalista intelectual» (Pereira, 2008: 248), «intelectual mediador» (Gomes e Hansen, 2016, e-book: s/p.) e «intelectuais eletrônicos» (Sarlo, 2016: 168). Não obstante essa proximidade, o «novo intelectual» (Vattimo, 2016: 37) não se refere aos jornalistas; são o pensamento e as ações de Michel Foucault que parecem apropriados ao preenchimento dos pontos suspensivos deixados por Vattimo para vincular o novo intelectual à filosofia, comparada por ele a «uma espécie de jornalismo radical» [1] (Foucault, 1994: 434) e à «reportagem de ideias» [2] (Foucault, 2008). Um pequeno grupo de jornalistas, em suas ações de resistência ao jornalismo dominante, adotou procedimentos apropriados a um modo de reconhecimento do presente, em que acionam práticas de liberdade caracterizadas por conceitos como «acontecimentalização» e «poliedro de inteligibilidade» (Foucault, 1978: 13), entre outros. Na contracorrente da autoralidade coletiva, posicionando-se como sujeitos da experiência, Eliane Brum, Alexandra Lucas Coelho e Adriana Mabilia possibilitam que se dê consistência positiva, ao final desse texto, à figura do ‘novo intelectual’.
Até meados do século passado, artistas, militantes, escritores e políticos partilharam com os jornalistas um espaço comum e carreiras que se confundiam. Com a industrialização, procedimentos de controle, normas e rotinas de trabalho forjaram uma definição profissionalista, no domínio de competência técnica específica (Pereira, 2008). A simbiose que existia entre jornalista e a intelectualidade foi localizada em um tipo específico de intelectual, o «intelectual mediador» (Gomes e Hansen, 2016, e-book: s/p.). Segundo as pesquisadoras, um conjunto diversificado de indivíduos preencheram este conceito atribuído a «homens da produção de conhecimento e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social» (Gomes e Hansen, 2016, e-book: s/p.). Nesse segmento, estariam aqueles que se dirigem a um público de pares, especializado ou não, bem como aqueles que se dedicam a um público de corte específico, como o feminino, o escolar, os membros de uma comunidade profissional, e, ainda, os jornalistas que se comunicam com um público abrangente e heterogêneo, como o de um periódico de grande circulação. Com frequência, o papel do intelectual mediador é reduzido a ‘apenas’ simplificar ou didatizar alguma informação, apesar de a atividade de mediação cultural ser considerada indispensável em qualquer sociedade. Como tal, seu valor é considerado secundário, até mesmo supérfluo. As autoras, ao contrário, equiparam o trabalho de produção e atribuição de sentidos aos bens e práticas resultantes de sua atividade de intelectual, que atua como mediador cultural à realização do intelectual criador.
[...] o intelectual que atua como mediador cultural produz, ele mesmo, novos significados, ao se apropriar de textos, ideias, saberes e conhecimentos que são reconhecidos como preexistentes. [...] Com esses outros sentidos inscritos em sua produção, aquilo que o intelectual ‘mediou’ torna-se efetivamente ‘outro produto’, um bem cultural singular (Gomez e Hansen, 2016, e-book: s/p.).
Desde outra perspectiva, Bourdieu sintetizou na expressão «intelectuais jornalistas» (1994: 6) o duplo universo – do campo jornalístico e dos campos de produção cultural – atinente aos jornalistas que circulam por esses dois campos e são capacitados para exercer novas formas de produção cultural, situadas em um espaço intermediário, um entrecampos de fronteiras mal definidas, onde se estabelecem, através de julgamentos críticos, os critérios de avaliação das produções culturais. Os ‘intelectuais-jornalistas’ utilizariam ‘seu duplo vínculo para esquivar as exigências específicas dos dois universos e para introduzir em cada um deles poderes mais ou menos adquiridos no outro’. Nesse espaço, segundo Bourdieu, os jornalistas tendem a reforçar o efeito das medições de audiência, assim como das listas de best-sellers, e, indiretamente, influenciar a produção e as escolhas (dos editores, por exemplo), em direção aos produtos mais vendáveis.
L’emprise du champ journalistique sur les champs de production culturelle (en matière de philosophie et de sciences sociales notamment) s’exerce principalement à travers l’intervention de producteurs culturels situés en un lieu incertain entre le champ journalistique et les champs spécialisés (litteraire ou philosophique, etc.). Ces ‘intelectuels-journalistes’, qui se servent de leur double appartenance pour esquiver les exigences spécifique des deux univers et pour importer en chacun d’eux des pouvoirs plus ou moins bien acquis dans l’autre, sont en mesure d’exercer deux effets majeurs : d’une part, introduire des formes nouvelles de production culturelle, situés dans un entre-deux mal défini entre l’éxoterisme universitaire et l’éxoterisme journalistique ; d’autre part, imposer, notamment à travers leurs jugements critiques, des principes d’évaluation des productions culturelles qui, en donnant la ratification d’une apparence d’autorité intelectuelle aux sanctions du marché et en renforçant l’inclination spontanée de certaines catégories de consommateurs à l’allodoxia, tendent a renforcer l’effet d’Audimat ou de best-seller list sur la réception des produits culturels et aussi, indirectement et à terme, sur la production, en orientant les choix (ceus des éditeurs par exemple) vers des produits moins exigeants et plus vendables [3] (Bourdieu, 1994: 6).
A intelectual, escritora e professora argentina Beatriz Sarlo vê o trabalho de mediação desde outra perspectiva, ligada à figura de passado duvidoso [4] dos «intelectuais eletrônicos» (2016: 168). Descolando-se da ação mediadora, proposta por Gomes e Hansen, Sarlo menciona a posição mais evidente do intelectual: a autonomia do pensamento crítico (1997: 167), em contraste com as posições estratégicas ocupadas por jornalistas e comunicadores, que tornam a palavra deles mais persuasiva, mais próxima e, sobretudo, mais familiar, produzindo com ela ‘a ilusão de uma comunidade coesa’.
Si la autoridad del intelectual se legitimaba en una diferencia de saberes, la autoridad de estas voces nuevas es producto de un efecto de comunidad ideológica y de representación cercana: paradójicamente, las voces más mediatizadas (justamente, las voces que llegan a través de los medios) producen la ilusión de una comunidad estrecha [5] (Sarlo, 1997: s/p.).
Fábio Pereira (2008), afastando-se da posição crítica e historicamente datada de Sarlo, da fórmula mercadológica pensada por Bourdieu (1994) e da função de mediação sugerida por Gomes e Hansen, sem entrar nas idiossincrasias da história brasileira, salienta o processo de constituição identitária de ‘jornalistas intelectuais’ em uma duplicidade, ao dividir a atividade jornalística com intervenções em outros espaços (literatura, universidade, engajamento político etc.). Em sua investigação doutoral, selecionou dez jornalistas brasileiros, reconhecidos por sua notoriedade intelectual, para dar-lhes materialidade discursiva em quatro eixos: valores e ideologias partilhados; formas de apresentação de si, gestão estatutária e concepção das carreiras profissionais; escolhas e construção da reputação nas relações com os demais atores do mundo dos jornalistas; e, por último, inserção de suas histórias de vida nos processos de transformação, segmentação e continuidade que afetam o jornalismo nas suas relações com as atividades intelectuais. Conforme constatou:
Ideologia, carreiras e estatuto sugerem [...] a existência de uma identidade construída a partir de uma série de encadeamentos lógicos que vão justificar a reputação adquirida [...]. É como se existisse um caminho natural para ser um jornalista intelectual: possuir um talento extraordinário (como jornalista, professor, escritor); a crença de que é preciso fazer o melhor dos jornalismos; [...] fazer escolhas que estão de acordo com a natureza pessoal e com as circunstâncias sociais etc. (Pereira, 2008: 248).
O que se espreita pelas frestas deixadas por Vattimo na figura do «novo intelectual» (Vattimo, 2016) —isto é, sua relação por antonomásia com o repórter que se aproxima da filosofia foucaultiana— não entra em colisão, nem pelo modo de produção, nem por características desenvolvidas pelos sujeitos envolvidos, com nenhuma das figuras históricas já citadas. Trata-se de uma abordagem em que a identificação do ‘novo intelectual’ com uma espécie de repórter repercute no estatuto de autor do próprio jornalista, tendo em vista que, na gênese das relações com as mídias, ela se contrapõe à autoralidade coletiva e às práticas jornalísticas enquadradas pelas normas vigentes nas mídias dominantes. A figura desenhada por Vattimo (2016) não foi desenvolvida especificamente para nenhum agente, muito menos para certos repórteres; são os argumentos do filósofo italiano e o estatuto interrogativo da questão que parecem apropriados a postular as ações do jornalista contra uma relação de poder existente dentro das mídias jornalísticas dominantes e sobre as mídias nas suas relações de poder com os governos, como a consistência que faltaria e que pode ser agregada a essa figura. O termo ‘autor’ conjugado ao termo ‘repórter’, igualmente, não aproxima essa figura da literatura. É no âmbito do jornalismo que se compreende a autoralidade individual, quer seja na reportagem, quer seja na produção fora da mídia do ‘livro de repórter’, em contraste com o modo de produção dominante nas mídias coetâneas da autoralidade coletiva.
As práticas discursivas do ‘novo intelectual’ estariam voltadas à atualidade, como referente da condição comum da vida atual e não à ‘atualidade jornalística’, demarcada pelo tempo do efêmero, pela superficialidade na apuração e por critérios ordinários de noticiabilidade. Sua tarefa: criticar o que se configurou na consciência coletiva como sendo o mundo verdadeiro com o apoio das mídias dominantes. Segundo Vattimo, com apelos às convicções comuns, aporte de referências à história e às experiências partilhadas, é possível, aos poucos, fazer prevalecer outros modos de a comunidade afirmar-se como um lugar de convivência civil, «de verdadeira e própria amizade política», em que «poderá sentir-se um dia, junto de si, ‘em sua casa’» (Vattimo, 2016: 30).
A figura esboçada por Vattimo para um sujeito profundamente atento aos problemas de sua época, que cria formas de resistência e se mobiliza contra o estado de dominação da mídia e a esquizofrenia tecnológica, pode ser ocupada por Foucault e nas extensões de si mesmo que ele desenvolveu dizendo-se jornalista. Após reconhecer a existência de zonas de sombra no discurso jornalístico, Foucault criticou-as com suas ações de jornalista em teorias, a que estas deram lugar, e em uma analítica dos discursos. Fora do fazer profissional, aplicou as ‘enquetes do intolerável’ nas prisões, durante os trabalhos do GIP (Grupo de Informações sobre as Prisões), e produziu no Irã um conjunto de reportagens. As ações do GIP inspiraram Vigiar e Punir (Foucault, 1993), enquanto a ‘cobertura’ da Revolução Islâmica foi fundamento para pensar a «reportagem de ideias» (Foucault, 2008), ou as articulações entre o sujeito, os jogos de verdade e os procedimentos de controle discursivo em A ordem do discurso (Foucault, 1996, 2006b; Marocco, 2015). Em todos esses movimentos, Foucault aproximou prática e teoria, em movimentos de investigação que foram reconhecidos por Deleuze como «ação de teoria» (Deleuze, 1979: 70).
Em suas ações jornalísticas, Foucault não se submeteu ao ‘jogo estratégico’ no qual as mídias determinam unilateralmente o que é e o que não é acontecimento. Na contracorrente das mídias, infringiu a agenda e o modo de fazer do jornalismo. O ponto de partida dessas ações de crítica às práticas jornalísticas, mais concretamente às informações parciais que eram transmitidas aos europeus pelas agências internacionais de informação sobre o que se passava no Irã na chamada ‘Revolução Islâmica’, está ligado ao deslocamento da questão kantiana ‘O que é o Iluminismo?’ de uma simples proposição moral. Kant desencadeia nesse opúsculo outra forma de a filosofia colocar o sentido de relação com a atualidade, em que ser revolucionário não é tão essencial quanto fazer avançar as coisas, transformando tanto quanto possível as relações de força (Groulx, 2006: 215). Desde uma perspectiva foucaultiana, o sentido da relação com a atualidade que o nosso presente requer, para fazer avançar as coisas, deve modificar, tanto quanto possível, a dessimetria nos jogos de poder. Em outras palavras, interpreta Groulx: «estabelecer uma nova relação com a atualidade que define nosso tempo como problematização das práticas de si em nossas relações com outrem» (2006: 216). Essa nova relação com a atualidade define nosso tempo como problematização das práticas de si nas relações com o outro: «escapar das formas modernas de sujeição e inventar-se a si mesmo a partir de práticas da liberdade parecem-lhe as principais saídas para a construção de novas configurações e agenciamentos sociais, na atualidade» (Rago, 2006: 165).
Em sua autonomia de sujeito, que se desloca do modo de objetivação jornalística dos acontecimentos, o repórter opera sobre um objeto jornalístico, em movimentos simultâneos na mesma via de mão dupla criada por Foucault, embora arranque deste um sentido invertido, ou seja, partindo do jornalismo para a filosofia. Abre mão da clássica posição de distanciamento das coisas da realidade que observa, apresentando-se como um corpo que se coloca no lugar de emergência do acontecimento, se expõe à experiência, reconhece a alteridade e descreve suas sensações. Sob novas condições de possibilidade, o repórter toma para si o desenvolvimento de uma relação de comunicação que possibilitará a participação do outro no processo de produção jornalística como indivíduo ativo, não somente fonte da informação.
Em sua forma clássica, o relato amarrado à ‘objetividade jornalística’ reproduz leis e procedimentos discursivos que predeterminam a sua significação, tornando a experiência calculável e certa. A experiência, no entanto, «é incompatível com a certeza, e uma experiência que se torna calculável e certa perde imediatamente a sua autoridade» (Agamben, 2005, citado por Antunes, 2010: 164). Ao descolar-se do nó disciplinar naturalizado pelo jornalismo como uma forma de representar as coisas do mundo, segundo fórmulas jornalísticas, o sujeito dá atenção a aspectos mundanos do acontecimento, como a complexidade, a indeterminação e a multiplicidade contextual. Com isso, a comunicação jornalística dá um giro; admite a incerteza, a hesitação, em um processo de produção que configura uma «situação problemática» e não um fato materializado pela «objetividade jornalística» (Antunes, 2010: 156). Não se trata, portanto, de romper com o jornalismo, mas sim de praticá-lo à semelhança do que foi pensado por Foucault nos termos de um ‘jornalismo radical’ (ver nota 3).
Nesse processo de produção, procedimentos de controle interno que afetam o coletivo das redações jornalísticas são revisados e criticados. Entre as formas de coação do discurso pensadas originalmente por Foucault (1996) estão a disciplina, o comentário e o autor. A primeira molda o discurso jornalístico em sua singularidade, por efeito de um corpo normativo. O comentário, que foi afastado do jornalismo pelo paradigma da objetividade, passa a ser exercido pelo jornalista que, com isso, formula um outro modo de se aproximar dos acontecimentos, que se sobrepõe ao modelo disciplinar, quer seja ocupando as margens das mídias dominantes, quer seja no ‘livro de repórter’. No ‘livro de repórter’, o comentário convive com a autonomia criativa, ambos afastados do ethos profissional e das coações exercidas sobre a autorialidade, próprias do tempo, do espaço e da instituição jornalística. Na contraposição ao modo de objetivação jornalística anterior e coetâneo, o ‘livro de repórter’ proporciona:
[...] um exercício de crítica das práticas jornalísticas, para além do comentário, apresenta a ação subjetiva e de resistência de um ‘repórter-autor’. Daí conservarmos a expressão ‘livro de repórter’, enquanto essa designa um tipo de autoria individual afastada do ethos profissional e da autoria coletiva própria do tempo e do espaço do jornalismo. Esta prática em novas bases espaço-temporais não rompe com o jornalismo, embora o ‘repórter-autor’ construa com seu trabalho um lugar de criação dentro do jornalismo, voltado ao exercício da crítica como Kant. Neste novo patamar epistemológico, o repórter aciona movimentos de investigação que projetam o acontecimento em sua complexidade, em um ‘poliedro de inteligibilidade’ (Veiga da Silva, Marocco, 2018: 37).
O ‘livro de repórter’, diferentemente do chamado ‘livro reportagem’ (Lima, 2004), contém um tipo de texto que se ocupa do jornalismo para dele elaborar outro texto que oferece o desvendamento e a crítica de certos processos jornalísticos, em operações de produção de sentidos, em que o jornalista, naturalmente, fará um exercício de interpretação criativa do que é considerado jornalismo (Marocco, 2010: 5). Na forma de coletânea de reportagens já publicadas, que ganham versões comentadas, ou planejado para o próprio formato, o ‘livro de repórter’ excede o gênero reportagem. Na crítica das práticas jornalísticas, nos processos de produção e no estilo, o que se realiza sobre as práticas e as teorias promove certa utopia do jornalismo. Como um exercício de crítica das práticas jornalísticas, para além do comentário, o ‘livro de repórter’ apresenta a ação subjetiva e de resistência de um ‘repórter-autor’. Daí conservarmos a expressão ‘livro de repórter’, enquanto essa designa um tipo de autoria individual afastada do ethos profissional e da autoria coletiva própria do tempo e do espaço do jornalismo.
No ‘livro de repórter’, em sua diferença, o repórter ocupa a posição de intérprete crítico das leis do jornalismo e/ou de criador de um certo campo de coerência conceitual ou teórica relativo a um devir jornalismo. Pensado desde uma perspectiva foucaultiana, na contraposição ao modo de objetivação jornalística, o ‘livro de repórter’ instala uma dissimetria nas relações de poder. Basicamente, segundo Garcia (2008), a resistência, pensada por Foucault como dissimetria nas relações de poder, é experiência de subjetivação, de autonomia, de quem não afronta o inimigo para infligir uma derrota; o que pretende é enfraquecê-lo e bater em retirada. No caso do repórter-autor, a resistência tem como objeto as práticas jornalísticas que diluem a presença do autor na autoralidade coletiva que estrutura o trabalho nas mídias dominantes. «Ela [a resistência] não busca a vitória, ela não se lança em uma batalha final, ela desarma o inimigo com suas próprias armas ao desorganizar a guerra que ele havia imposto» (Garcia, 2008: 109).
Esta prática jornalística ocorre em novas bases espaço-temporais, não rompe, necessariamente, com as mídias, onde o repórter pode construir, igualmente, em gêneros como a reportagem, um lugar diferenciado dentro do jornalismo, voltado a uma «nova relação com a atualidade que dá sentido à interrogação filosófica moderna e a sua radicalidade ética e política como auto reflexividade» (Groulx, 2006: 215). Trata-se de um patamar epistemológico, no qual certos repórteres, dentro ou fora das mídias jornalísticas, acionam movimentos de investigação que projetam o acontecimento em sua complexidade, em um ‘poliedro de inteligibilidade’:
O poliedro possibilita compor, decompor e recompor acontecimentos, a partir do(s) ângulo(s) de entrada. Aí reside a riqueza, desencadear inúmeras possibilidades de compreensão da realidade. Transposto ao jornalismo, o ‘poliedro de inteligibilidade’ pode auxiliar tanto na produção dos acontecimentos como na compreensão de como os acontecimentos discursivos se engendram, acionando e revelando uma rede discursiva que lhe é anterior e exterior. Para Foucault (1990), a análise dessas tramas busca reconstituir as condições de aparição de uma singularidade, a partir de múltiplos elementos determinantes, considerando que não é na natureza das coisas que se poderia encontrar o sustento, o suporte dessa rede de relações inteligíveis, é a lógica própria de um jogo de interações com suas margens sempre variáveis e de não certeza (Marocco, Zamin e Boff, 2012: 04).
O ‘livro de repórter’, continente discursivo do poliedro, foi esboçado durante as entrevistas feitas com jornalistas ao longo da pesquisa «Os controles discursivos e o saber jornalístico que circula nas redações» (Marocco, 2012). Além da crítica às mídias dominantes e das ações práticas que isso significa, alguns procedimentos regulares foram evidenciados nas entrevistas pelas repórteres Eliane Brum e Alexandra Lucas Coelho. As pistas deixadas por elas na pesquisa foram aprofundadas em um levantamento de livros escritos por jornalistas, localizados em bibliotecas de universidades brasileiras. Entre um conjunto de tipos (biografias, reportagens, viagens etc.), foram selecionados os livros que rompiam com o modo jornalístico dominante ao inserirem uma crítica das práticas jornalísticas, considerada o núcleo da ideia de livro de repórter. Com base nos procedimentos revelados nas entrevistas, foi criada uma grade de entendimento composta por eixos temáticos aplicada na leitura crítica dos livros O olho da rua, escrito por Eliane Brum, Vai, Brasil, de Alexandra Lucas Coelho, e estendida, posteriormente, ao livro Viagem à Palestina, escrito por Adriana Mabilia. A grade foi composta pelos seguintes elementos: marcas discursivas da presença do repórter, fontes ouvidas (tipo de fonte consultada, relação com a fonte), contextualização do acontecimento, complexidade das informações sobre o acontecimento, tempo e espaço da narrativa, crítica das práticas jornalísticas, formas de escritura.
Ao final da pesquisa, foi possível reconhecer que esses elementos revelados em entrevistas são recorrentes nos livros em que as repórteres, à semelhança do ‘novo intelectual’, descrevem as arestas informacionais que estão ocultas nas mídias e que podem modificar a percepção social dos indivíduos e dos acontecimentos. Com o objetivo de preencher essas lacunas, originalmente manifestado por Foucault no âmbito do GIP e na ‘reportagem de ideias’, os procedimentos singulares nas práticas jornalísticas, expostos nos quatro itens seguintes, foram adotados pelo grupo de repórteres em relação à fonte, à experiência, à informação e à produção de relatos.
a) A relação de distanciamento com a fonte, proposta pela ‘objetividade jornalística’, é modificada. Em entrevista concedida à pesquisadora, Eliane Brum contou que se desloca da relação objetiva e efêmera entre jornalista e fonte, sem, no entanto, ocupar o lugar de amiga; como ‘escutadeira’, incorpora a repórter, a ponto de a fonte, ao longo da apuração, ser surpreendida com a ideia de que a repórter se dedique a outra coisa que não seja ouvir a vida dela. No comentário sobre a reportagem ‘A mulher que alimentava’, Brum expôs o convívio de 115 dias com Ailce como sendo «uma experiência radical de jornalismo»:
Eu quase não fazia perguntas, optei por apenas pontuar suas respostas, numa escuta delicada e muito atenta. Por um lado, minhas perguntas, se incisivas, contaminariam suas respostas: ela poderia usar minhas palavras em vez das dela para se referir a esse momento-limite da vida. Por outro lado, eu correria o risco de atropelar seus sentimentos se abordasse questões para as quais ela ainda não estava preparada (Brum, 2008, e-book: s/p).
Alexandra Lucas Coelho, em entrevista à pesquisadora durante a mesma pesquisa, contou que se coloca frente ao outro e pensa: ‘Esta pessoa sou eu, pode ser eu’. Esse giro identitário, segundo a repórter, torna mais sólida a percepção de que a pessoa poderia ser ela, ao mesmo tempo que auxilia a construção do respeito ao outro, auxilia a compreensão da diferença cultural e social que existe entre regiões geográficas tão díspares como os Estados Unidos e o Afeganistão, a África e o Brasil. Tal perspectiva permite que Lucas Coelho considere a história diferente que cada fonte representa.
Este é o grande lance: a dignidade. Da inteireza e da dignidade de uma pessoa que está à nossa frente. E isso tem a ver com o quê? Tem a ver com o som da voz, tem a ver com os gestos, detalhes, tudo isso me interessa, que essa pessoa possa se destacar em todas suas diferenças, particularidades (Lucas Coelho, citada por Marocco, 2012: 163).
No livro Vai, Brasil, Lucas Coelho descreveu pontos cegos para o observador midiático do Carnaval do Rio em uma coleção de histórias sobre a vida verdadeira, em que «queremos ser o que ainda não somos, e isso não tem prazo» (Lucas Coelho, 2015: 62-63). Mais emocionante que bateria de escola de samba, escreveu, são as velhas mulatas, vestindo saias de baianas, com seus óculos de dez dioptrias, calos e carnes secas. Totens, deusas, as alas da velha guarda que a cada Carnaval estão vivas. Em meio ao que sempre volta, descobriu a superação de uma passista da Mangueira, no ‘glorioso corpo’ que ‘atravessou a avenida como se flutuasse’, deixando suspenso um atravessamento de sentido entre a adversativa apesar e a expressão a pesar:
[...] chegou a pesar mais de cem quilos, além de aos 36 anos ser mãe de quatro filhas e já avó. Como não tinha dinheiro para aulas de ginástica, no dia em que decidiu ser o que é começou a fazer exercício em casa. Não sei se algo no glorioso corpo que hoje existe não é de origem, mas um corpo é sempre um mutante. Ela fez o seu para se tornar quem era (Lucas Coelho, 2015: 63).
Adriana Mabilia (2013), no livro Viagem à Palestina, deu voz a mulheres palestinas para visibilizar o quase silêncio que existe sobre elas nas mídias brasileiras. Antes de viajar à Cisjordânia, ouviu palestinas que vivem no Brasil. Recém-chegada, encontrou-se com Suheir, presidente de organização não governamental que ensina mulheres a usar câmeras de vídeo – elas registram dramas pessoais, aprendem uma profissão, discutem a situação da mulher na sociedade palestina. Suheir vive no campo de refugiados Dehaisha, em Belém, com seus três filhos. Pernoitou na casa de um casal de brasileiros, que imigrou para Carmel, bairro novo de Haifa [6], preocupada em ouvir os dois lados do conflito. Das palestinas ouviu que ali se vive em confinamento: não há acesso livre a médicos, à educação, à diversão, à alimentação, à água. «A cada passo que tentamos dar, cada vez que temos que nos locomover, mesmo dentro do que restou para nós da nossa terra, somos submetidos a constrangimentos» (Suheir, citada por Mabilia, 2013, e-book: s/p.).
b) O corpo se torna um dispositivo da experiência sensorial que move a prática do jornalista. Não interessa ouvir somente declarações das fontes para cumprir a pauta, mas fazer funcionar os sentidos do tato, da visão, da audição em uma relação de cognição afetiva entre seres humanos, como se o jornalista fosse um corpo do leitor, que ele ali estivesse como enviado especial do leitor.
Nesse papel, Alexandra Lucas Coelho reconhece que «o corpo do jornalista é para ser trespassado por uma experiência sensorial, cognitiva, com o cheiro, com o quê vê, com o que ouve. E essa experiência sensorial deve ser depois transmitida através do texto» (citada por Marocco, 2012b: 163).
Eliane Brum provoca em si mesma um movimento de esvaziamento: dos preconceitos, das visões de mundo e dos julgamentos —afinal, jornalista não é juiz— para, em outro estado, deixar-se preencher pela história do outro. «Se vais cheia, não tens como ser preenchida» (Brum, citada por Marocco, 2012b: 77). A repórter deu visibilidade a esse movimento na reportagem ‘A mulher que alimentava’, em que acompanhou os últimos quatro meses de vida de Ailce de Oliveira Souza. As duas se viam toda a semana, todos os dias se falavam por telefone. Brum descobriu-se ‘um terceiro fio na vida dela’ e que, ‘na condição de narradora de uma vida’, era uma casa vazia. «Eram suas as palavras que me enchiam com história» (Brum, e-book: s/p.).
Que lugar era esse, o meu e o dela? Não sei. Acho que, ao longo dessa relação insólita, cada uma de nós deu diferentes sentidos ao nosso pacto. Lá pelo meio, descobrimos que o único sentimento que tornava aquela relação possível era o afeto. Era preciso que eu tivesse a coragem de me abrir para a possibilidade de amar alguém que perderia muito em breve (Brum, 2008, e-book: s/p.).
Na chegada ao aeroporto Queen Alia, em Amã, capital da Jordânia, Adriana Mabilia troca as informações geográficas pela descrição da sensação de distância que materializa na imagem do astronauta: «o cabo se rompe, ele se desprende da nave e se perde na escuridão do espaço?» (Mabilia, 2013, e‑book: s/p.). Não há verdades panorâmicas, somente percepções sobre o lugar desconhecido e suas diferenças, como se ocupasse a posição de um corpo a ser preenchido a partir daquele momento. Nem palavras do idioma local ela conhece, corrige-se em seguida: «Ah, uma correção, falo uma palavra em árabe sim: shukran, obrigada» (Mabilia, 2013, e-book: s/p.).
Passo pela porta. O corpo ainda não parou de tremer. O saguão de desembarque está lotado de pessoas aguardando a chegada de parentes, amigos. Muitas mulheres de preto da cabeça aos pés. De fora, os olhos, mas só o suficiente para que elas consigam enxergar o caminho (Mabilia, 2013, e-book: s/p.).
c) O momento da escrita é planejado desde a entrevista. Para Alexandra Lucas Coelho, a inteireza e a dignidade da pessoa que está a sua frente têm a ver com sua atenção voltada para o som da voz, os gestos e os detalhes que vão destacar, no relato, diferenças e particularidades individuais. Essa complexidade na relação de entrevista leva à produção de um texto de cinema, em que o leitor, além de ler, vai ouvir e ver para criar imagens, som e movimentos: «O texto tem muito do cinema, para mim é muito cinema. Então é um cinema com todos esses elementos, e o fascínio está em construir um cinema, mas apenas com palavras» (Lucas Coelho, citada por Marocco, 2012b: 163). Eliane Brum não diferencia os momentos de apuração e escrita. Ao longo dos dias de apuração, a repórter reconhece que escreve dentro de si quando está acordada e quando está dormindo.
Costumo dizer que fico grávida da matéria, o que altera meu humor e meu metabolismo. Não é fácil me aguentar dentro de casa nesses dias de gestação da reportagem. Fico quieta, sorumbática. Passo uma semana num asilo ou vinte dias no meio do mato e quando volto não conto nada. Respondo às perguntas que me fazem com um olhar vago. Só consigo falar depois do parto do texto (Brum, 2008, e-book: s/p.).
O corpo dela vai se manifestar no momento da escrita compreendida como um ‘ato físico, carnal’.
Quem me conhece sabe a liberalidade com que vivo. E, principalmente, a literalidade com que escrevo. Eu sou o que escrevo. E não é uma imagem retórica. Eu sinto como se cada palavra, escrita dentro do meu corpo com sangue, fluidos, nervos, fosse de sangue, fluido, nervos. Quando o texto vira palavra escrita, código na tela de um computador, continua sendo carne minha (Brum, 2008, e-book: s/p.).
Para dar complexidade ao que viu, Mabilia recorre ao pensamento já existente em livros e pesquisas, alternando descrições e estatísticas à experiência que viveu sob a identidade de uma ‘turista’. Pelo menos em um momento do livro, enquadrou a fonte da informação como objeto da jornalista e não como sujeito da interação com a personagem, em que se ocultou para poder percorrer sem restrições o território ocupado por Israel. Mabilia colocou-se frente à fonte para fazer a pergunta inicial em que fixou o outro no papel de testemunha da ocupação. No livro, Mabilia deixou vazar a atitude de contrariedade que isso provocou na entrevistada. A alternativa, seguindo a experiência passada por Eliane Brum, poderia ser de posicionar-se como ‘escutadeira’, i.e., aquela que não faz a primeira pergunta, deixa o outro contar sobre si:
Então, faço a minha primeira pergunta: –A ocupação afeta a sua vida de alguma forma? Pelo olhar, fica claro que Suheir reprovou ou não entendeu a pergunta. Ela fica em silêncio, abaixa a cabeça e pergunta: –Como assim? Você quer saber se a ocupação atrapalha a minha vida? –E completa: –Não há sequer um cidadão palestino que não tenha impedimentos e transtornos por causa da ocupação. As restrições vão além da falta do direito de ir e vir. Vivemos confinados [...]. Constrangida estou eu. É óbvio que minha pergunta foi mal elaborada. Logo eu, que estudo o tema, dei essa bola fora (Mabilia, 2013, e-book: s/p.).
d) Em outras condições de possibilidade, o repórter dá visibilidade às informações que o discurso cotidiano e o domínio midiático da ideologia dominante muitas vezes esquecem e escondem sob uma ordem do discurso. Nesse sentido, a informação é usada como arma e os argumentos se referem à história e às experiências partilhadas com nossos semelhantes, para além de referirem-se às evidências materiais (Vattimo, 2016).
Foucault, de alguma maneira, deu chaves para compreensão dessa faceta do trabalho jornalístico: ele quis andar a contrapelo do que os jornais diziam sobre a Revolução que derrubara o regime imperial do Irã. Já em Teerã, descreve as primeiras impressões ao chegar ao hotel. «Se você chegar depois do toque de recolher, um táxi o levará a toda velocidade pelas ruas da cidade: elas estarão vazias» (citado por Eribon, 1990: 263). No dia seguinte, põe-se a trabalhar. Encontra-se com militantes da oposição democrática, com líderes da oposição, com estudantes, homens da rua, jovens islâmicos nos cemitérios, onde as reuniões eram permitidas, na universidade, nas portas das mesquitas. Nas reportagens que faz, a preocupação era revelar como o jornalismo constituía zonas de silêncio em torno de determinadas ideias e indivíduos, e como naturaliza isso para os seus leitores no interior do discurso hegemônico. No rastro de Foucault, as repórteres foram buscar, com meio século de diferença, o que era e é sonegado pelo jornalismo dominante.
Mabilia buscou evidências de que a mídia brasileira não informa sobre o que acontece na Palestina. Mais particularmente, ela quis contar no livro o cotidiano das mulheres palestinas que só ocupa o noticiário quando uma delas se torna mulher-bomba e se explode, depois de perder mãe, pai, irmãos e ter sua casa destruída pelo exército judeu.
Elas são revoltadas com tudo isso, não têm mais nada a perder. Nem armas para lutar e se defender. Também não tem ninguém que as defenda. Nenhum país, nem as Nações Unidas defendem os palestinos. O mundo cruzou os braços e assiste aos israelenses todos os dias matando crianças e jovens, derrubando casas, cortando água e luz (Riam Dais, citada por Mabilia, 2013, e-book: s/p.).
Quando esteve na Praça Tahir, nos dias da Revolução do Egito, em 2011, Lucas Coelho optou por usar o Facebook, em que postou muitas fotos e pouca coisa escrita. Foi uma experiência ‘completamente nova’, em que o mesmo meio usado para fazer revolução, foi usado para fazer jornalismo e provocar uma ação política no Ocidente. Através da imagem, ela queria operar sobre o estereótipo que os jovens muçulmanos recebem no Ocidente, que eles fossem vistos como indivíduos que se vestem iguais a nós, ouvem as mesmas músicas, são sedutores, bonitos.
[...] este deslocamento de percepção em relação àqueles jovens me interessava muito. Então, talvez por isso, eu tenha sentido a necessidade de pôr aquelas fotografias no Facebook. E foi muito interessante, porque havia acabado de entrar no Facebook e tinha 500 seguidores que depois passaram a mil. [...] E eu queria que eles vissem! Que eles vissem aqueles jovens com seus Macintoshes e seus iPhones [...]. Eu queria que os vissem sentados no chão, fumar com suas guitarras [...]. Queria que tivessem intimidade com a revolução, os abraços. [...] Houve um momento em que um amigo me deixou uma mensagem: Mas estas pessoas são lindas e são como nós! (Lucas Coelho, citada por Marocco, 2012b: 173).
Eliane Brum vê grandeza «até nos pequenos feitos de pessoas despercebidas. É desde essa perspectiva que ela descobre e conta histórias de um ‘mundo em dissonância» (Barcellos, citado por Brum, 2008, e-book: s/p.). Na reportagem sobre o garimpo, publicada em O olho da rua, ela constatou que o garimpeiro é o brasileiro pobre que se recusou a desistir; no mesmo livro, disse que a expressão casa de repouso foi inventada para abrigar velhos supostamente cansados da vida, quando é o mundo que se cansou deles; sobre as parteiras da Floresta Amazônica, disse que elas são chamadas nas horas mortas da noite para povoar o mundo.
Minha inserção nessa região de convívio histórico entre jornalista e intelectual se deu pela via da prática jornalística, no período em que o lugar para os literatos eram as seções específicas. Os jornalistas, nas últimas décadas do século passado, tinham compromissos com um regime de verdade, normatização e um modelo criado de objetivação jornalística das coisas. Nas margens do jornalismo, entretanto, sempre houve lugar para diferentes graus de resistência. De minha parte, mesmo me reconhecendo ‘operária assalariada’, como alguns jornalistas costumavam se qualificar em conversas informais, exerci o jornalismo em contínua tensão com a complexidade do que não era materializado nas páginas do jornal.
Nas atividades acadêmicas, mais tarde, a crítica às práticas jornalísticas foi demarcada na disciplina com o mesmo nome, na qual, finalmente, formalizei um espaço de ensino-aprendizagem voltado à análise de discursos produzidos por intelectuais e jornalistas que, dentro ou fora das mídias, tinham a crítica compulsória do jornalismo por dever de ofício. Como pesquisadora, inspirada por ensinamentos de Foucault, tenho inscrito minhas pesquisas no campo dos estudos em jornalismo, dando ênfase à potência da resistência dos sujeitos que há nas margens da linguagem regular e normativa das práticas. Foucault me ajudou a compreender a coexistência entre poder jornalístico e resistência, quando reconheceu sua vontade de narrar acontecimentos que teriam permanecido invisíveis, se ele não tivesse se posto a trabalhar no sentido ‘quase jornalístico’ em diferentes situações já mencionadas neste texto (Foucault, 2014: 71).
Em ações de resistência no jornalismo, como evidenciado neste artigo, é possível fazer aparecer o que está presente e ao mesmo tempo é invisível, ou, nas palavras de Vattimo, o que permanece oculto nas representações midiáticas. É nesse jornalismo das margens que se encontra o ‘novo intelectual’, a quem gostaria de atribuir os nomes próprios dos repórteres citados neste texto. Essa figura, que tem simultaneamente um lugar no jornalismo e que se posiciona fora das mídias em suas ações de resistência, no entanto, não se pode confundir com outras que preencheram a histórica proximidade entre intelectuais e jornalistas do mesmo modo que, na contemporaneidade, se distanciam radicalmente do ‘intelectual eletrônico’, alinhado com a dominação. O que dá consistência e diferença a essa figura é a capacidade de crítica para opor, ao jornalismo dominante, outros modos de produção e outras formas de subjetivação. Por outro lado, é preciso reconhecer que, em seu caráter utópico, o convívio histórico entre intelectuais e jornalistas nas mídias jornalísticas ainda encontra vestígios no imaginário do jornalista e, de uma maneira perversa, obnubila o estado de dominação em que a massa dos jornalistas brasileiros assalariados vive, e continua deixando adormecida sua capacidade de crítica. Sob o regime disciplinar, a identidade democrática do jornalismo brasileiro e as figuras correspondentes de ‘quarto poder’ e ‘cão de guarda da democracia’, construídas sob inspiração do jornalismo norte-americano, têm sido violadas historicamente pelas mídias dominantes que entram em tensão com o ideal da liberdade de imprensa, pensado como acesso das populações à informação em sua complexidade, recolhida por empresas jornalísticas independentes e concorrentes.
Ao fazer circular um conjunto de discursos produzidos nessas condições de produção, as mídias ofertam à sociedade ‘valores do negócio’, misturados a noções bastardas de democracia e liberdade de expressão, que seguem regras não codificadas: privilegiar os poderosos, marginalizar os pobres, levar em conta o caos que interessa aos editores e seus amigos, não se aventurar no inusual, que pode ser considerado estranho, inclusive perigoso. «En periodismo, como en otros negocios, time is money» (Serrin, citado por Borrat, 2006: 225-226, grifo do autor). Como os mapas, complementa Moreno Sardà, os jornais são muito úteis, desde que tenhamos em conta suas limitações: «sólo sirven para hacer recorridos específicos, y ni siquiera las personas más estrechamente vinculadas a ellos pueden reducir su vida a lo que en ellos se representa» (Sardà, 1998: 17). No que se refere ao impacto que essa estratégia discursiva provoca na sociedade, é preciso considerar os efeitos de uma maneira de mostrar, que tem o objetivo de provocar a educação da visão e dos hábitos pela determinação do que é visível e por sua redundância.
É por conta da visibilidade que as mídias assumem um papel crucial como disciplina e controle, portanto como promotoras/mantenedoras de escalas de valores [...]. Enquanto mostram, as mídias disciplinam pela maneira de mostrar, enquanto mostra ela controla pelo próprio mostrar. É em relação à disciplina que se diz que se não passou pelas mídias não há poder de reivindicação; é em relação a controle que se diz que se não passou pelas mídias não existe (Rodrigues Gomes, 2003: 77).
Desde a perspectiva crítica, que enfoca as relações de poder e as resistências, pode-se deslizar para fora da retórica vertebrada no apagamento do sujeito, na precisão e na verdade, contemplada pela ‘objetividade jornalística’, para decifrar a importância da reportagem que é produzida nas margens ou fora da arquitetura de um dispositivo, que dá forma e diferencia o jornalismo como linguagem comunicacional encarregada da produção e circulação do que pode e do que não pode ser dito sobre os acontecimentos. Trata-se não somente de promover uma virada nas formas jornalísticas contemporâneas, ou de aperfeiçoá-las e afiná-las com o interesse das audiências, articulando diferentes plataformas. Um outro modo de fazer não necessariamente deve descartar, igualmente, a dimensão espaço-temporal —regulada pela brevidade, novidade, atualidade, imediatez e objetividade— que compõe interesses específicos, sejam eles da empresa, dos grupos de pressão ou do Estado. A construção de uma figura na contracorrente da dominação supõe uma participação ativa no jogo de forças vigente no interior da instituição jornalística. Isso significa, simultaneamente, ações de resistência e uma produção diversificada de discursos para atingir os indivíduos no espaço de poder que se desdobra para se realizar numa rede microfísica.
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[1] No original : «Je me considère comme un journaliste, dans la mesure où ce qui m’intéresse, c’est l’actualité, ce qui se passe autour de nous, ce que nous sommes, ce qui arrive dans le monde. La philosophie, jusqu’à Nietzsche, avait por raison d’être l’éternité. Le premier philosophe-journaliste a été Nietzsche. Il a introduit l’aujourd’hui dans le champ de la philosophie. Avant, le philosophe connaissait le temps e l’éternité. Mais Nietzsche avait l’obssession de l’actualité. Je pense que le futur c’est nous qui le faisons. Le futur est la manière dont nous réagissons à ce qui se passe, c’est la manièe dont nous transformons en vérité un mouvement, un doute. Si nous voulons être maîtres de notre futur, nous devons poser fondamentalement la question de l’aujourd’hui. C’est pourquoi, pour moi, la philosophie est une espèce de journalisme radical» (Foucault, 1994: 434).
[2] Expressão usada por Foucault para designar a série de reportagens publicada no jornal italiano Corriere della Sera, em que intelectuais e jornalistas trabalharam juntos «no ponto de cruzamento entre as ideias e os acontecimentos». Foucault escreveu a primeira delas, sobre a revolução iraniana (2008: 50).
[3] «O trabalho do campo jornalístico sobre os campos de produção cultural (filosofia e ciências sociais, principalmente) se exerce, principalmente, através da intervenção dos produtores culturais situados em um lugar incerto, entre o campo jornalístico e os campos especializados (literário ou filosófico etc.). Esses ‘intelectuais-jornalistas’, que se apropriam do duplo pertencimento para esquivar as exigências específicas dos dois universos e para introduzir em cada um deles poderes mais ou menos adquiridos no outro, são capazes de exercer dois efeitos: por um lado, introduzir novas formas de produção cultural, localizadas em um espaço mal definido entre o esoterismo universitário e o exotismo jornalístico; por outro lado, impondo notadamente, através de seus juízos críticos, princípios de avaliação de produções culturais que, ao ratificar uma aparência de autoridade intelectual para comercializar sanções e reforçar a inclinação espontânea de certas categorias dos consumidores à allodoxia, tendem a reforçar o efeito das medições de audiência ou de listas de best-sellers na recepção de produtos culturais e também, indireta e ultimamente, na produção, orientando as escolhas (por exemplo, dos editores) para produtos menos exigentes e mais vendáveis (Bourdieu, 1994: 06).
[4] O ceticismo que impregna a expressão se deve à ligação estabelecida por Sarlo com a Guerra das Malvinas, em que Grã-Bretanha e Argentina disputaram a soberania da ilha, numa guerra dominada pela «gigantesca manipulação televisiva dos episódios de combat», em 1982 (Sarlo, 2006: 158).
[5] «Enquanto a autoridade do intelectual se legitimava numa diferença de saberes, a autoridade dessas vozes novas é produto de um efeito de comunidade ideológica e de representação próxima: paradoxalmente, as vozes mais mediatizadas (justamente as vozes que chegam por intermédio dos meios) produzem a ilusão de uma comunidade estreita» (Sarlo, 2006: 161).
[6] Haifa é a maior cidade do norte de Israel e a terceira maior cidade do país, depois de Jerusalém e Tel Aviv.