indexcomunicación | nº 12(1) 2022 | Páginas 285-307

E-ISSN: 2174-1859 | ISSN: 2444-3239 | Depósito Legal: M-19965-2015

Recibido el 25_05_2021 | Aceptado el 15_10_2021 | Publicado el 15_01_2022

 

 

A autoexposição de praticantes de exercícios físicos comunicada em redes sociais e sua relação com o consumo

 

Autoexposición de practicantes de ejercicio comunicados en redes sociales y su relación con el consumo

 

Self-exposure of physical exercises practitioners on social media communication and the relationship with consumption

 

https://doi.org/10.33732/ixc/12/01Aautoe

 

 

Emanuel Bezerra de Oliveira

Universidade Estadual do Ceará

emanuelbezerrajg@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-3284-0114

 

Nathália de Sousa Pereira

Universidade Estadual do Ceará

nathaliaeng.producao@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-3831-123X

 

Lia Chagas de Lima

Universidade Estadual do Ceará

liac.delima@gmail.com

https://orcid.org/0000-0001-7481-964X

 

Danielle Miranda de Oliveira Arruda Gomes

Universidade Estadual do Ceará

daniellearrudagomes@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-6209-6349

 

 

Dibujo en blanco y negro

Descripción generada automáticamente con confianza mediaPara citar este trabajo: Bezerra, E., de Sousa, N., Chagas, L. y de Oliveira, D. (2022). A autoexposição de praticantes de exercícios físicos comunicada em redes sociais e sua relação com o consumo. index.comunicación, 12(1), 285-307. https://doi.org/10.33732/ixc/12/01Aautoe

 

 

Resumo: Esta pesquisa propõe compreender as relações entre a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos comunicada em redes sociais e o consumo. Para isso, buscou-se identificar as motivações para a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos em redes sociais; identificar os tipos de produtos consumidos que estão relacionados à autoexposição nas redes sociais; e verificar a influência entre a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos em redes sociais e o consumo. Foi aplicada uma pesquisa qualitativa auxiliada por entrevistas semiestruturadas e pela técnica projetiva autodriving. Foram entrevistados doze praticantes de exercícios físicos em academias do sexo masculino. Dos resultados, emergiram três categorias: exibicionismo, estímulo à vida saudável e realização pessoal como antecedentes para a autoexposição dos praticantes de atividades físicas nas redes sociais. Além disso, identificou-se o consumo de produtos do tipo alimentício, eletrônico, vestuário esportivo, aplicativos e softwares, como forma de auxiliar a melhor imagem que será exposta. Por meio do desenvolvimento de um framework, constatou-se que a autoexposição da imagem influencia tanto no consumo próprio como no consumo dos seguidores. Ademais, ampliou-se o conceito de consumo conspícuo ao relacionar a exposição da conquista do corpo fitness como um bem adquirido que proporciona status social.

 

Palabras clave: Comunicação; Autoexposição; Redes Sociais; Exercícios físicos; Consumo.

 

 

Resumen: Esta investigación se propone comprender la relación entre la autoexpo-sición de los practicantes de ejercicio físico comunicada en las redes sociales y el consumo. Para ello, se buscó identificar las motivaciones para la autoexposición de los practicantes de ejercicio físico en las redes sociales; identificar los tipos de productos consumidos que se relacionan con la autoexposición en las redes sociales; y verificar la influencia en-tre la autoexposición de los practicantes de ejercicio físico en las redes sociales y el consumo. Se aplicó una investigación cualitativa con la ayuda de entrevistas semiestructuradas y la técnica de autoconducción proyectiva. Se entrevistó a doce practicantes de ejercicio físico en gim-nasios masculinos. De los resultados surgieron tres categorías: exhibi-cionismo, estímulo a la vida sana y realización personal como antece-dentes para la autoexposición de los practicantes de actividades físicas en las redes sociales. Además, se identificó el consumo de alimentos y productos electrónicos, indumentaria deportiva, aplicaciones y software como una forma de ayudar a mejorar la imagen que se mostrará. A través del desarrollo de un marco, se encontró que la autoexposición de la imagen influye tanto en su propio consumo como en el de sus segui-dores. Además, el concepto de consumo conspicuo se amplió relacio-nando la exposición de la conquista del cuerpo en forma como un bien adquirido que proporciona un estatus social.

 

Palabras clave: Comunicación; autoexposición; redes sociales; ejercicios físicos; consumo.

 

 

Abstract: This research proposes to understand the relationship between the self-exposure of physical exercise practitioners on social media communication and consumption. To this end, we sought to identify the motivations for self-exposure of physical exercise practitioners on social media; identify the types of products consumed that are related to self-exposure on social media and verify the influence between self-exposure of physical exercise practitioners on social media and consumption. Qualitative research was applied, aided by semi-structured interviews and by the projective autodriving technique. Twelve men who practice physical exercises in gyms were interviewed. Three categories emerged from the results: exhibitionism, encouraging healthy living and personal fulfillment as antecedents for the self-exposure of physical activity practitioners on social media, and the consumption of food, electronic, sports clothing, applications, and software products was identified, as a way to help the best image that will be exposed. Through the development of a framework, it was found that the self-exposure of the image influences both self-consumption and the consumption of followers. In addition, the concept of conspicuous consumption was broadened by relating the exposure of the conquest of the fitness body as an acquired good that provides social status.

 

Keywords: Communication; Self Exposure; Social Media; Physical Exercises; Consumption.


1.   Introdução

Caracterizadas como um conjunto de plataformas online utilizadas para disseminar conteúdo, provocando o compartilhamento de opiniões, ideias, e experiências, as redes sociais vêm favorecendo o processo de comunicação ao facilitar a difusão de informações sobre bens, serviços e organizações, e possibilitar que seus usuários compartilhem de forma voluntária uma grande variedade de dados (Xiang, Du, Ma & Fan, 2017; Liu, Mehraliyev, Liu & Schuckert, 2019).

Essa forma de comunicação, através do compartilhamento de informações online, tornou-se uma atividade crescente entre os usuários e trouxe, como consequência, efeitos relacionados à decisão de compra (Arora, Bansal, Kandpal, Aswani & Dwivedi, 2019; Prentice, Han, Hua & Hu, 2019). Estudos mostram que os consumidores podem ser influenciados de diferentes maneiras nas redes sociais dependendo do conteúdo postado e por quem postou (Varkaris & Neuhofer, 2017).

Nesse sentido, observou-se que o compartilhamento de fotos, atividade recorrente nas redes sociais, afeta significativamente os pensamentos e comportamentos cotidianos, dentre eles o de consumo (Liu et al., 2019; Prentice et al., 2019). Essa realidade acentua a preocupação com a autoapresentação no ambiente online (Barasch, Zauberman & Diehl, 2017). Assim, os likes podem simbolizar a aceitação social neste contexto e por isso influenciam as postagens (Rosenthal-Von Der Pütten, Hastall, Köcher, Meske, Heinrich, Labrenz & Ocklenburg, 2019) e, consequentemente, o consumo.

Além disso, as posses traduzem a identidade dos indivíduos, cuja autoapresentação comunicada nas redes sociais pode estar intimamente relacionada a marcas e referências comerciais, o que é comum nos ambientes online, meios nos quais os consumidores assumem estas relações (Schau & Gilly, 2003; Smith; Fischer & Yongjian, 2012).

Ao analisar pesquisas relacionadas aos temas consumo, autoexposição e exercícios físicos, observa-se que os estudos são bastante específicos: relação entre masculinidade e consumo de beleza (Boursier, Gioia & Griffiths, 2020), satisfação do corpo e autoexposição (Wang, Wang, Liu, Xie, Wang & Lei, 2020); consumo e auto identidade (Schau & Gilly, 2003; Smith et al., 2012; Cohen, Newton-John & Slater, 2018); exercícios físicos e autoexposição (Carrotte, Prichard & Lim, 2017); likes e comparação social (Holland & Tiggemann, 2016; Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019); e redes sociais e consumo (Abbade, Flora & Noro, 2014; Djafarova & Rushworth, 2017; Cohen et al., 2018). Porém, há uma lacuna no que se refere à interseção dos temas supracitados, trazendo à tona a necessidade do estudo do fenômeno apresentado.

Apesar de que, no ambiente online, qualquer usuário pode compartilhar informações sobre produtos ou serviços e influenciar na tomada de decisão de outros consumidores (Bilgihan et al., 2016; Cezar & Öğüt, 2016), as identidades de gênero podem influenciar como as pessoas se apresentam nas redes sociais (Thelwall, Thelwall & Fairclough, 2021). Assim, para compreender o fenômeno da autoexposição relacionada ao consumo, a abordagem deste estudo voltou-se para os praticantes de exercícios físicos, com foco em indivíduos do sexo masculino, cada vez mais preocupados com a aparência em busca da exibição de um "eu ideal", por meio da manipulação e comunicação de conteúdos postados na mídia social (Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019; Schau & Gilly, 2003). Nesse contexto, emerge a seguinte questão de pesquisa: como ocorrem as relações entre a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos comunicada em redes sociais e o consumo?

Visando contribuir com o esclarecimento de questões ainda não completamente resolvidas no arcabouço de conhecimentos científicos já estruturados, essa pesquisa propõe o seguinte objetivo geral: compreender as relações entre a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos comunicada em redes sociais e o consumo. Já os objetivos específicos são: (1) identificar a motivação para a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos em redes sociais; (2) identificar os tipos de produtos consumidos que estão relacionados a autoexposição nas redes sociais; e (3) verificar a influência entre a autoexposição dos praticantes de exercícios físicos em redes sociais e o consumo.

O artigo encontra-se estruturado em cinco seções, além desta introdução. A seção dois revisa a literatura sobre a autoexposição nas redes sociais e a influência da exposição em redes sociais no consumo. A terceira seção apresenta os procedimentos metodológicos empregados no estudo, seguida da quarta seção onde se analisa e se discute os dados da pesquisa. A quinta seção apresenta as considerações finais do estudo.

2. Referencial teórico

2.1. A autoexposição em redes sociais

Dado o advento da Web 2.0, tornaram-se crescentes os espaços de participação, produção e publicação de conteúdos online (Lin, Bruning & Swarna, 2018; Prentice et al., 2019). Deste modo, os indivíduos são mostrados enquanto perfis, que podem ser qualificados e avaliados por outros, mesmo que não haja qualquer tipo de interação social entre eles (Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019). Assim, por não estarem cara a cara, os usuários se entregam de forma mais intensa em relação a seus sentimentos, o que é ocasionado pela liberdade de expressão propiciada pelas redes sociais (Dixit & Prakash, 2018). Esse compartilhamento pode ocorrer de diferentes maneiras, como por meio de postagens em texto, vídeos ou mesmo fotografias (Tsai & Bui, 2020). Os jovens, por exemplo, utilizam as redes sociais para expandir e enriquecer a sua vida social offline, interagindo tanto no espaço físico como no ciberespaço (Carriço dos Reis, Magos, Lopes & Sousa, 2018).

Constituídos por representações dos atores, que são o principal elemento das redes sociais, os perfis são expressões do "eu" que traduzem as construções de um sujeito, ao mesmo tempo em que exprimem perspectivas de sua identidade (Grewal, Stephen & Coleman, 2019). Neste âmbito, é a imagem de si mesmo o que possui maior valor, sendo o próprio indivíduo o produtor de sua visibilidade e identidade (Senft & Baym, 2015; Grewal et al., 2019). Sendo assim, os indivíduos tendem a moldar suas ações conforme o que julgam ser normal e aceitável em seu meio social, no intuito de cumprir os requisitos da cultura na qual estão inseridos, visando sentimentos de pertencimento, gerenciando as impressões que desejam transmitir nas mídias sociais (Barasch et al., 2017; Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019).

Caracterizadas como uma prática cotidiana no contexto das mídias sociais, as selfies também são objetos que politizam os modos nos quais as pessoas devem partilhar e representar os seus comportamentos, ao passo que também são consideradas atos de narcisismo e vaidade, que visam à obtenção de respostas ou reações (Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019; Senft & Baym, 2015). Assim, os sujeitos que se utilizam das selfies estão inseridos em um contexto de visibilidade midiática, podendo esta ser considerada como sinônimo de existência por estes sujeitos, o que estimula a exposição da melhor versão do próprio "eu" em diversos momentos, inclusive ao fazer atividades físicas (Schau & Gilly, 2003; Mingoia, Hutchinson, Wilson & Gleaves, 2017). 

Vale destacar que não só as selfies, mas também fotos de experiências com a intenção de compartilhamento demandam preocupações com a autoapresentação no intuito de causar boas impressões nas redes sociais, estimulando o controle da maneira pela qual os indivíduos aparecerão ou serão percebidos (Barasch et al., 2017; Hong, Jahng, Lee & Wise, 2019). Nesse sentido, estratégias para autoapresentações são frequentemente utilizadas entre usuários nas redes sociais, em especial no Instagram, nas quais eles editam a foto para ser a melhor apresentação da própria aparência (Cohen et al., 2018; Hong et al., 2019).

Neste contexto, movidos pela ideia de que devem estar em conformidade com os requisitos da cultura de pertença, muitos indivíduos vêm levando em consideração que a aparência é essencial na construção da própria identidade (Smith et al., 2012). Assim, os sujeitos buscam informações na própria Internet quando se sentem na necessidade de cuidar melhor da imagem, sendo comum, neste meio, o compartilhamento de experiências voltadas para os exercícios físicos. Para Carrotte et al. (2017), esses compartilhamentos podem conter fotografias profissionais, selfies, imagens para destacar as mudanças no peso ou nos músculos, dicas de exercícios, e até mesmo receitas e fotografias de alimentos. De maneira relacionada, existem usuários das redes sociais que tornam seus corpos como instrumentos de persuasão ao mesmo tempo em que reforçam sua identidade e tornam-se líderes de opinião em tais meios.

2.2. A influência da exposição em redes sociais no consumo

As redes sociais passaram a ser ferramentas cada vez mais utilizadas pelos indivíduos. De acordo com um estudo realizado por Dixit e Prakash, (2018), as pessoas, em geral, dedicam cerca de 91 minutos do seu dia para navegar nas redes sociais. Esse dado demonstra a influência que a utilização dessas plataformas pode ter na sociedade e no comportamento dos indivíduos.

O crescimento do uso das redes sociais afetou sobremaneira o comportamento do consumidor na internet e, à medida que as pessoas passam mais tempo utilizando essas mídias, suas decisões de compra se tornam mais influenciadas pelas interações com outros indivíduos e empresas (Song & Yoo, 2016).

Ferramentas como o Instagram e o Facebook são utilizadas para partilhar informações variadas: o que almoçaram, o que fizeram, o que compraram, para onde viajaram. Em muitos casos, basta analisar o perfil de um indivíduo, para sabermos a sua rotina e os seus hábitos de consumo (Boley, Jordan, Kline & Knollenberg, 2018). Para Baudrillard (2008), é por meio desses objetos e bens que a sociedade de consumo fala e se comunica atualmente.

    Alguns estudos já identificaram a necessidade que as pessoas demonstram de exibir bens materiais com o objetivo de simplesmente mostrar que os têm (Santos, 2011; Baudrillard, 2008; Moital, 2016). De acordo com Veblen (1994), o consumo conspícuo é definido como o uso de recursos para consumir bens com o propósito de exibir a posição social do consumidor aos outros. Conhecido também como consumo notável, o consumo conspícuo faz uma alusão ao consumo competitivo e extravagante, abrangendo práticas e atividades de lazer que sejam reconhecidas como de uma classe social superior (Moital, 2016). Para Belk (2013), as redes sociais funcionam como um canal para o consumo conspícuo, pois são utilizadas para a manutenção e exibição de status no ambiente digital. 

Entretanto, o consumo conspícuo não está relacionado somente com status social. Alguns estudiosos acreditam que as motivações para esse tipo de consumo estão associadas a fatores culturais, como globalização, moda (Vohra, 2016), turismo (Boley et al., 2018), grupos de referência, classe social (Ryabov, 2016), materialismo e autoestima (Moital, 2016). Dessa forma, as redes sociais remodelaram as possibilidades de exibição do consumo conspícuo. Por meio da utilização destas mídias, todo tipo de consumo pode ter a possibilidade de se tornar conspícuo e de contribuir para a imagem daqueles que o expõem (Boley et al., 2018).

Assim, a autoapresentação nas redes sociais pode ser compreendida como o esforço para transmitir uma imagem e uma identidade, frequentemente associadas ao uso de produtos e marcas (Schau e Gilly, 2003, Smith et al., 2012). As postagens nas redes sociais de produtos e serviços consumidos evidenciam a identidade dos indivíduos, podendo ser percebida como uma forma dos consumidores mostrarem virtualmente características próprias e se destacarem em meio a seus seguidores (Grewal et al., 2019). 

Alguns estudos foram realizados no intuito de identificar como os comportamentos online influenciam os comportamentos offline. Um exemplo são as pesquisas que buscam compreender como as análises online de consumidores, classificações e postagens afetam as vendas (Stephen & Galak, 2012), o desempenho dos serviços (Phillips, Barnes, Zigan, & Schegg., 2016) e a adoção de produto (Hennig-Thurau, Wiertz & Feldhaus, 2015). 

Diante desse contexto, observa-se que perfis em redes sociais cujos focos principais são a alimentação e o corpo atuam como um conjunto de regras em função do culto à perfeição, cuja representatividade é favorecida pelo alto engajamento de seguidores nestes ambientes, estimulando cuidados com a alimentação, o ato de exercitar-se e o consumo, favorecido pelo apreço dos indivíduos em relação às opiniões de grupos definidos como referência no momento de seus processos decisórios como consumidores (Abbade et al., 2014; Holland & Tiggemann, 2016).

3. Metodologia

O presente estudo caracteriza-se como qualitativo, pois procurou compreender o fenômeno segundo as perspectivas do sujeito, ou seja, dos participantes da situação observada. De acordo com Creswell (2014), a pesquisa qualitativa é indicada quando o objetivo de explorar fatores envolve fenômenos, apresentando perspectivas ou significados atribuídos pelos indivíduos ou grupos a um problema social. Com relação à tipologia do estudo, classificou-se como exploratória, pois o corpus da pesquisa servirá de base para pesquisas posteriores (Vergara, 2016). A pesquisa apresenta também um caráter descritivo, pois buscou evidenciar as características presentes em uma determinada população em estudo (Godoy, 1995).

Dentre os métodos e técnicas disponíveis na abordagem qualitativa, esse estudo escolheu a entrevista estruturada. A escolha dessa técnica de coleta de dados foi feita por entender a função da natureza escolhida para a pesquisa exploratória e pela necessidade de concentração no tema a ser analisado, daí ser utilizado o método focalizado por meio de entrevistas pessoais estruturadas (Vergara, 2016). Também foi utilizada uma técnica projetiva com base no autodriving, sendo o informante convidado a navegar em suas redes sociais durante a entrevista. Esta técnica possibilita aos indivíduos a comunicação a respeito de si mesmo de forma mais completa, em um ambiente onde estes passam a interpretar suas próprias ações (Heisley & Levy, 1991).

Para a definição do número de entrevistados, adotou-se o critério de saturação empírica dos dados, que é recomendado quando os dados advindos dos elementos amostrais são suficientes para que ocorra o pretendido adensamento teórico sobre o objeto pesquisado (Fontanella & Júnior, 2012). Dessa forma, foi elaborado um roteiro de entrevista e a escolha dos sujeitos da pesquisa utilizou os seguintes critérios: (1) serem do sexo masculino, pois já existem estudos na área com foco no feminino (Jacob, 2014); e (2) possuírem perfis ativos no Instagram, cuja principal forma comunicativa é composta por imagens onde adeptos do universo fitness postam suas fotos de treinamento físico e de seus próprios corpos. Para a validação do roteiro de entrevista, foram realizados três pré-testes. Foram totalizadas, no final, 12 entrevistas, e a idade dos respondentes variou entre 20 e 35 anos.

A análise dos dados coletados foi realizada por meio da execução e transcrição dos áudios e triangulação dos dados originados das entrevistas e do autodriving. Para este procedimento, também se utilizou a análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), que consiste em coletar os dados qualitativos e analisá-los por temas ou perspectivas. Dessa forma, optou-se por elencar as etapas da técnica, sendo: (1) pré-análise, (2) exploração do material e (3) tratamento dos resultados.

Na pré-análise, o material foi organizado para ser analisado com o objetivo de torná-lo operacional, através da sistematização das ideias iniciais. A organização foi realizada por meio de quatro etapas: (a) leitura flutuante, onde foi estabelecido o contato com os documentos da coleta de dados; (b) escolha dos documentos, onde foi realizada a demarcação do que seria analisado; (c) formulação das hipóteses e dos objetivos e (d) referenciação dos índices e elaboração dos indicadores.

A segunda fase caracteriza-se pela exploração do material, na qual foram realizadas a definição de categorias e a identificação das unidades de conteúdo e das unidades de contexto nos documentos. Essa etapa foi importante, porque possibilitou a riqueza das interpretações e inferências. Na terceira fase, foi realizado o tratamento dos resultados. Por meio de análise reflexiva e crítica, as informações foram analisadas e interpretadas.

Para a operacionalização do trabalho de análise, foi utilizado o software Atlas Ti®. Devido ao sigilo necessário na pesquisa, os participantes foram codificados com as letras iniciais do nome, seguidas de sua idade. A seguir, apresentam-se os resultados que emergiram no campo com suas análises. 

4. Discussão dos resultados

4.1. Motivação para a autoexposição nas redes sociais

De início, os entrevistados foram convidados a selecionar postagens realizadas dentro das academias ou voltadas ao exercício realizado. Por meio dessa seleção e das entrevistas, foi possível identificar as razões para expor sua imagem nas mídias sociais. Foram encontradas três categorias: exibicionismo, estímulo à vida saudável e realização pessoal; e duas subcategorias: geral e específica. O Quadro 1 apresenta as categorias, subcategorias e suas respectivas descrições.

Quadro 1. Motivos para a autoexposição dos praticantes de atividades físicas nas redes sociais

Categoria

Subcategoria

Descrição

Exibicionismo

Geral

Fotos que demonstram aceitação do corpo atual, resultado de dieta e sensação de

bem-estar físico.

Específico

Fotos que exibem detalhes específicos de partes do corpo que apresentem a melhor versão de si em imagens de boa qualidade.

Estímulo à vida saudável

-

Fotos postadas com o intuito de estimular

seguidores à prática de exercícios físicos e

alimentação saudável.

Realização pessoal

-

Fotos geradas a partir da realização pessoal, do orgulho por atingir objetivos ou cumprir metas.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

A primeira categoria encontrada foi o exibicionismo, que pode ser dividida em duas subcategorias: geral e específico. Quando solicitados a escolher uma foto postada no Instagram, todos os participantes selecionaram imagens em que estavam bem com o próprio corpo ou sensação de bem-estar físico.

Alguns entrevistados admitiram que consideraram a qualidade da fotografia e seu impacto na postagem como algo relevante, como A32, que selecionou um vídeo considerando questões como o ângulo em que aparecia. Outros motivos de exibicionismo foram vistos nas falas dos entrevistados ao explicarem que a postagem de fotos ocorria em dias que seu corpo estava satisfatório e, por isso, sentiam motivação para exibi-lo nas redes sociais. Um exemplo disso pôde ser visto quando solicitado aos entrevistados que selecionassem fotos que foram postadas e que tinham relação com exercícios físicos. 

Eu gosto muito de treinar peito e partes específicas do corpo. Nesse dia da foto, eu treinei e deu um destaque muito bom no meu corpo. Com o corpo bem legal. Tirei essa foto e achei muito bonita e resolvi postar. (A32)

Na época dessa foto no espelho da academia, eu estava treinando muito. Estava me sentindo bem fisicamente. Nessa foto, meu ombro está para fora, está dando um tchan, vamos dizer assim, no meu corpo. Eu acho muito legal isso e muito bonito. (J26)

Ao considerarem o fato de seus músculos estarem ‘saltados’ e a valorização do seu corpo como forma de exibicionismo, pode-se dizer que as fotografias têm o intuito de demonstrar boa impressão comunicada através das redes sociais. Para isso, busca-se a melhor forma que os indivíduos devem se expor, inclusive ao realizar atividades físicas (Schau & Gilly, 2003; Senft & Baym, 2015; Carrotte et al., 2017; Mingoia et al., 2017; Hong et. al., 2019).

Outro critério considerado na seleção das imagens foi a dieta, onde alguns entrevistados declararam estar com a alimentação regrada, cujos impactos no corpo os incentivaram na seleção da imagem. As características observadas na categoria exibicionismo corroboram a literatura existente, que associa a postagem de fotos com a melhor versão de si (Barasch et al., 2017; Rosenthal Von Der Pütten et al., 2019).

Sobre a segunda categoria, estímulo à vida saudável, constatou-se que entre alguns entrevistados, os objetivos almejados no ato de postagem, eram voltados para incentivar seus seguidores à prática de exercícios. Estudos já mostraram ser comum no ambiente de mídias sociais a existência de indivíduos que, por meio de suas experiências, orientam outras pessoas que queiram iniciar ou se manter na prática de exercícios e na alimentação saudável (Carrotte et al., 2017). Além disso, práticas de estímulo e incentivo à realização de exercícios e alimentação saudável podem ter como propósito a fidelização do seguidor ao perfil.

Observou-se que a categoria estímulo à vida saudável está diretamente ligada à motivação para a realização da prática de exercícios físicos. Outros achados, oriundos das entrevistas, estão relacionados à própria motivação dos indivíduos. 

Às vezes uma pessoa pensa: “ah, estava sem treinar e vi você treinando”. Aí lembra que precisa treinar. Acho que isso já é válido, se você consegue atingir o mínimo de pessoas que seja, acho que é importante sim, você dar exemplo. (N24)

Durante esse intervalo de tempo que estou na academia, eu costumo tirar fotos, gravar vídeos, porque faz parte da minha área, né? Estou me formando em nutrição. Eu acho importante que as pessoas saibam que eu pratico esporte e que eu vivencio aquilo que eu tento passar para elas. (B27)

Percebe-se o quanto pode ser importante e benéfica a comunicação gerada através das redes sociais. Sobre o olhar dos usuários que postam, observa-se que sua motivação em mostrar uma foto vai além do exibicionismo, podendo ser um meio de atingir pessoas e influenciá-las para hábitos saudáveis. Logo, a comunicação online pode influenciar o estilo de vida no ambiente fora das telas, ou seja, no ambiente offline.

Grande parte dos discursos trazem à tona o fato de que os usuários possuem preferência por um treino mais rápido e que não gostam de passar muito tempo nos ambientes onde praticam suas atividades físicas. No discurso do A32, ele afirmou que ir à academia lhe traz a sensação de preguiça, mas isto não o impede de praticar exercícios físicos. Para os entrevistados, as postagens ao final dos treinos traduzem e expõem a mudança do estilo de vida. Dessa maneira, percebe-se a importância das postagens de fotos com o intuito de incentivar as práticas dos exercícios físicos.

A última categoria, realização pessoal, foi visualizada na maioria dos participantes, pois selecionaram fotos que, mesmo estando na academia ou realizando exercícios, os remetiam lembranças boas ou momentos que foram especiais. Um exemplo foi a troca de faixa no jiu-jítsu de EA29, ou a quebra de um recorde pessoal no crossfit, no caso de B27. Isto explicita a importância do compartilhamento de experiências nas redes sociais, o que demanda também a apresentação da melhor versão de si neste contexto (Barasch et al., 2017; Cohen et al., 2018; Hong et al., 2019; Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019).

No que tange a autoexposição online, os entrevistados afirmaram que se sentem bem com sua exibição nesses ambientes. Inclusive, alguns relatam que sua exposição colabora tanto com a socialização quanto com a visibilidade. Segundo os entrevistados, a visibilidade satisfaz o seu ego e é interessante saber que está sendo visto. 

Percebe-se que a autoexposição através da exibição do corpo nas redes sociais vai além da questão estética, e tem como objetivo também chamar a atenção e se diferenciar de quem visualiza as imagens. Essas características foram percebidas na fala dos entrevistados, ao afirmarem que o melhor resultado do corpo é considerado uma conquista, e diante disso, exibem essa conquista através das postagens. 

Os resultados do estudo mostram uma ampliação do entendimento de consumo conspícuo, como proposto por Veblen (1994), ao perceber que o corpo é considerado um objeto de riqueza, conferindo status para os praticantes de exercícios físicos. Nesse sentido, conquistar um corpo definido e compartilhar conteúdos fitness pode ser uma representação da posição social do consumidor. Em detrimento disso, a exibição do corpo perfeito pode significar uma ascensão social, e a busca deste propósito é auxiliada através do consumo de produtos diversos que proporcionam a melhor imagem.

Diante do exposto, percebe-se por meio dos dados analisados que os usuários se expõem nas redes sociais para demonstrarem suas identidades, ao mesmo tempo que moldam essa apresentação de si por meio da seleção do que é exposto, a fim de que essas escolhas sejam assertivas em relação à aceitação social no ambiente online (Barasch et al., 2017; Grewal et al., 2019; Rosenthal-Von Der Pütten et al., 2019).

4.2. Tipos de produtos consumidos relacionados à autoexposição

Foi possível identificar quatro tipos de consumo relacionados à autoexposição dentro do contexto da atividade física em academias de ginástica. Os tipos foram: alimentícios, eletrônicos, vestuário esportivo e aplicativos e softwares. O Quadro 2 apresenta exemplos para cada categoria.

Quadro 2. Tipos de consumo relacionados à autoexposição nas redes sociais

Produtos consumidos

Exemplos

Alimentícios

Refeições pré-treino, suplementos e água.

Eletrônicos

Celular, fones de ouvido, câmeras dos smartphones,

smartwatches.

Vestuário Esportivo

Roupas de academia, uniformes de time.

Aplicativos e Softwares

Editores de imagens fotográficas.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Dentre os tipos de consumo, o mais citado pelos entrevistados foi o de produtos alimentícios. Refeições pré-treino, suplementos e água foram os itens que prevaleceram em quase todas as entrevistas. De acordo com os dados coletados, o consumo desse tipo de produto está relacionado com a intenção do indivíduo de alcançar sua melhor versão, tanto de forma física como de saúde. Assim, está atrelada ao interesse do indivíduo em compartilhar sua rotina e estimular outras pessoas a terem hábitos saudáveis (Carrotte et al., 2017). Conforme Boley et al. (2018), as redes sociais tornaram-se ferramentas onde os indivíduos postam sobre suas experiências, tornando públicas suas rotinas e hábitos de consumo. 

Quanto aos produtos eletrônicos e vestuário esportivo, foram analisados os itens presentes nas fotos selecionadas pelos entrevistados: camisas específicas para esportes, com exceção de EA29, que utilizava quimono, o que não deixa de ser uma vestimenta esportiva; tênis; itens eletrônicos, como fones de ouvido e smartwatches, presentes na fotografia de MC23; e os próprios aparelhos celulares, utilizados por todos para o registro dos momentos. Inclusive, o entrevistado EG29 associou rapidamente seu consumo durante a prática de musculação aos fones que utiliza e a seu celular.

Em relação ao consumo por aplicativos e softwares, algo que permeia algumas das entrevistas foi o consumo de aplicativos de edição de fotos. Sujeitos como E29, EG29 e A32 citaram a importância de uma boa imagem, o que também remeteu às câmeras dos smartphones e a utilização de filtros, diretamente ligados ao fato de que estes são um dos elementos mais importantes da imagem, pois podem melhorar sua composição (Djafarova & Rushworth, 2017; Cohen et al., 2018; Hong et al., 2019).

Em relação à postagem de produtos nas redes sociais, Grewal et al. (2019) explicam que os consumidores podem usar produtos físicos para sinalizar suas identidades, ou seja, postar sobre produtos nas redes sociais pode ser uma forma dos consumidores mostrarem virtualmente características próprias.  

Percebe-se que a autoexposição nas redes sociais não é gerada apenas pelo ato da publicação da fotografia em si, mas também pela produção da imagem do usuário que é auxiliada pelo consumo de produtos específicos, que vão desde uma alimentação saudável até a utilização de roupas, eletrônicos e editores de imagens fotográficas. Os resultados encontrados nesta pesquisa mostram um avanço em relação aos estudos de Schau e Gilly (2003) e Smith et al. (2012), nas quais explicam o uso de produtos e marcas relacionados a autoexposição, pois traz uma categorização dos tipos de consumo relacionados à autoexposição nas redes sociais específicos para praticantes de atividades físicas. 

4.3. A influência da autoexposição no consumo

Com base nos dados da pesquisa, foram identificadas relações de influência da autoexposição no consumo em duas dimensões: no consumo próprio e no consumo dos seguidores. Conforme o framework proposto na Figura 1.

Figura 1. A influência da autoexposição no consumo próprio e no consumo dos seguidores

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pelas autoras.

O framework proposto apresenta a autoexposição da imagem influenciando tanto no consumo próprio, quanto no consumo dos seguidores. As categorias exibicionismo, estímulo à vida saudável e realização pessoal são motivações que emergiram dos dados coletados neste trabalho e que antecedem a autoexposição da imagem nas redes sociais. Essas categorias se relacionam com o consumo de produtos que contribuem para essa autoexposição: alimentícios, eletrônicos, vestuário esportivo, aplicativos e softwares. Assim, no que tange ao consumo próprio, a pesquisa identificou que o praticante de exercícios físicos consome produtos na intenção de auxiliar a sua exposição nas redes sociais. Normalmente, buscam atingir a melhor versão da autoimagem. Essa exposição pode gerar nos consumidores o desejo de consumir os produtos ou de praticar atividade física retroalimentando a relação entre a publicação e o consumo.

Os entrevistados reconhecem receber influências e/ou influenciar outros indivíduos a partir de postagens nas redes sociais. Muitos associaram o consumo da prática de exercícios físicos ao de alimentos específicos relacionados à cultura fitness. Os relatos evidenciaram, ainda, o hábito dos entrevistados de postar imagens de alimentos consumidos em diversas ocasiões, exibindo um estilo de vida saudável, não se resumindo aos alimentos relacionados às práticas de exercícios físicos. O entrevistado EA29 informou que gosta de postar imagens de alimentos “bonitos e diferentes”. Quando questionado acerca de sua influência sobre seus seguidores, ele afirmou que ao postar fotos e vídeos de comidas saudáveis, visa estimular as pessoas à prática de uma alimentação mais salutar.

                   Outro sujeito, cujo discurso trouxe à tona a influência em consumo, foi MC23, que, em uma de suas postagens, utilizou uma marca específica de vestuário visando promovê-la e, consequentemente, fazer com que seus seguidores comprassem o item. Em ambos os casos, os sujeitos relataram êxito em suas ações. De fato, outros estudos concluíram que é comum que consumidores se baseiem em opiniões e relatos de experiências nas redes sociais antes de tomar decisões (Abbade et al., 2014; Arora et al., 2019; Prentice et al., 2019). 

Quando questionados acerca de sua percepção quanto à própria influência sobre seus seguidores, os entrevistados afirmaram que conseguem estimular a prática de hábitos saudáveis e, neste sentido, inspiram pelo seu exemplo. Para MC23, a influência nas redes sociais decorre da exposição do próprio indivíduo, do estilo de vida que leva e dos produtos que consome. 

Hoje, o Instagram é um currículo. Empresas usam o Instagram para lhe analisar, para ver como é seu estilo de vida. Você demonstra como é seu dia, como é sua correria. Então, acho que tem influências porque é uma forma de você expor quem você é. (M23)

Isto conecta-se à literatura, que afirma que a autoexposição comunicada no ambiente online é uma maneira de apresentar a própria identidade, envolvendo o consumo (Schau & Gilly, 2003; Grewal et al., 2019). Dessa maneira, observa-se que essa autoexposição torna-se algo natural no cotidiano de algumas pessoas, em especial dos praticantes de exercícios físicos. Para Carriço dos Reis et al. (2018), a utilização das redes sociais pode ocasionar uma interação entre os jovens sem fazer supostas diferenças entre o real e o virtual, ou seja, tanto no espaço físico como no ciberespaço.

Percebe-se que, por meio dessa autoexposição, além da possibilidade de influenciar outros usuários, surge uma oportunidade para as empresas possivelmente interessadas, gerada por essa comunicação visual na qual pode-se captar informações sobre o dia a dia dos consumidores, expostas através das redes sociais como o Instagram e, assim, promover formas de comunicação com os consumidores mais estratégicas e eficazes para divulgar seus produtos. 

Vale ressaltar que, durante as entrevistas, a variável “tempo” chamou atenção de duas maneiras diferentes: relacionada à prática de exercícios e à preparação para as postagens nas redes sociais. Quanto à primeira, a maioria dos entrevistados afirmaram que não gostam de permanecer por muito tempo nas academias de ginástica, seja antes, durante ou após a prática de exercícios físicos, preferindo ir embora assim que finalizam seus treinos. Por outro lado, gostam de investir o tempo que for necessário na preparação das fotos a serem postadas, melhorando a imagem que será publicada no meio online e navegando nas redes sociais para conferir as publicações nos perfis que seguem.

O estudo permitiu verificar que, durante essa navegação, os usuários são influenciados no consumo de produtos pela exposição de outras pessoas e afirmam que diante disso realizam a autoexposição com o intuito de também influenciar seus seguidores, seja no consumo de produtos ou de atividades físicas. Esta prática corrobora o estudo de Dixit e Prakash (2018) e de Song e Yoo (2016), que enfatizam que quanto mais tempo os indivíduos passam utilizando as redes sociais, mais suas decisões de compra são influenciadas pela inserção de informações que ocorrem no ambiente online. 

Conforme os dados levantados neste trabalho, pode-se afirmar que independente do tempo de duração da atividade física, a autoexposição da imagem de praticantes de exercícios físicos influencia tanto no consumo próprio como no consumo de terceiros que visualizam essa exposição nas redes sociais.

Sob um olhar crítico, esses resultados mostraram que a comunicação no ambiente online a partir da autoexposição de praticantes de exercícios físicos é um importante fator de influência em diferentes tipos de consumo. Nesse sentido, percebe-se que as redes sociais podem ser consideradas como uma vitrine de produtos e serviços que substituem as lojas físicas através das novas formas de comunicação (Lima, Pereira & Gomes, 2021). 

Dessa maneira, as campanhas de marketing são produzidas por meio da comunicação visual ou escrita vinda dos próprios consumidores que influenciam outros consumidores. Assim, conforme o estudo de Lima et al. (2021), os consumidores atuam como cocriadores das estratégias mercadológicas nas redes sociais. Logo, confirmam-se e avançam-se estudos que apontam o compartilhamento de informações online como uma atividade crescente entre os usuários e que traz efeitos nas decisões dos consumidores (Arora et al., 2019; Prentice et al., 2019).

5. Considerações finais

Pesquisas anteriores, apesar de envolverem todos os temas que permeiam o presente estudo, não exploraram de maneira mais profunda as motivações para que praticantes de exercícios físicos em academia do sexo masculino se exponham nas redes sociais. O estudo identificou que o exibicionismo, estímulo à vida saudável e realização pessoal motivam os indivíduos a postar fotos em suas redes sociais, tanto em um contexto geral como também durante a prática de exercícios físicos. 

Os achados deste estudo mostraram o estabelecimento da ligação dos praticantes de exercício físico do sexo masculino com o consumo de produtos que contribuem para a autoexposição da melhor imagem nas redes sociais. Os principais produtos identificados foram alimentícios, eletrônicos, vestuário esportivo, aplicativos e softwares. Os participantes utilizam esses produtos no intuito de produzir fotos bonitas, mostrar seus resultados físicos e estimular pessoas à prática de uma vida saudável.

Sobre as relações de influência da autoexposição no ato de consumir, percebeu-se que estas ocorrem tanto no que tange ao consumo próprio, quando o praticante consome um produto já com o intuito de postar nas redes sociais, quanto para o consumo de seus seguidores, que, ao verem a postagem, despertarão seu interesse em consumir também. Estes resultados possibilitaram a proposição de um framework que explica as relações desta influência no consumo e descreve como esse processo é retroalimentado pela autoexposição da imagem nas redes sociais.

A postagem na rede social vai além da imagem, pois está associada ao sentimento de realização obtido pelas conquistas decorrentes da rotina de exercícios físicos. Na percepção dos respondentes, a sensação de estar exposto nas redes sociais não traz malefícios, pelo contrário, propicia uma facilidade de obter feedbacks sobre sua imagem. Este é um dos fatores que estimulam a própria exposição, assim como o acompanhamento da evolução corporal proporcionada pelos exercícios.

Estes resultados evidenciam algumas implicações gerenciais. A primeira concerne às marcas que trabalham com produtos esportivos, que podem se utilizar das informações postadas em redes sociais para traçar campanhas de comunicação mais assertivas para o seu público-alvo. A segunda refere-se à associação relevante que os entrevistados fazem entre o consumo de alimentos e de vestuário esportivo e a prática de exercício físico. As academias podem se beneficiar duplamente disso, incrementando seu negócio com a oferta desses produtos: ao mesmo tempo em que aumentam o faturamento com a venda de produtos e serviços agregados, podem tornar mais prazerosa a permanência de seus frequentadores. Ressalte-se que os entrevistados mencionaram não gostar de permanecer por muito tempo na academia. A terceira, relaciona-se com o uso de aplicativos de tratamento de imagens para smartphones. Os fornecedores destes serviços podem analisar padrões de fotos postadas com a temática fitness para desenvolver filtros e efeitos personalizados, tendo como objetivo melhor atender este público-alvo.

Quanto às implicações teóricas, o estudo preenche uma lacuna por meio da confluência de temas distintos, mas que se interligam dentro da realidade das redes sociais. Consumo, prática de exercício físico, autoexposição e a comunicação nas redes sociais são temas relevantes no contexto atual; mais relevantes ainda quando articulados e compreendidos de maneira conjunta. Ao mesmo tempo, o estudo lança luz sobre o comportamento de consumo masculino em um contexto em que a exposição do corpo, comumente associada ao público feminino, não visa apenas a exposição da melhor versão de si, como também o incentivo a práticas saudáveis através do corpo, vitrine dos resultados do equilíbrio no consumo, seja de alimentos ou de itens voltados à prática de esportes. Logo, ao mesmo tempo em que corrobora achados teóricos acerca da autoexposição da imagem, traz novas contribuições que complementam estudos anteriores, que relacionam determinados comportamentos nas redes sociais, como exibicionismo e conquistas de metas pessoais em relação à melhoria do próprio corpo.

O estudo sugere, ainda, uma ampliação do entendimento de consumo conspícuo proposto por Veblen (1994), na medida em que identificou que o praticante de exercícios físicos pode associar status à obtenção de um corpo perfeito. Assim, para os entrevistados, a conquista de um físico bonito e saudável pode constituir-se em um símbolo de riqueza e de distinção social.

Como limitações do estudo, destaca-se o fato da pesquisa ter se concentrado exclusivamente em praticantes de exercícios físicos em academias de ginástica e focado unicamente na comunicação da autoexposição em redes sociais, não abrangendo os seguidores dos perfis investigados. Desta forma, sugere-se que pesquisas futuras analisem outras modalidades esportivas com o intuito de comparar os resultados com os obtidos no presente estudo. Além disso, recomenda-se tratar a temática de forma associada a outros serviços complementares como o turismo, ao envolver competições em outras localidades, por exemplo.

Sugere-se, também, o aprofundamento de estudos orientados à compreensão do corpo como um símbolo de status social, a fim de ampliar o entendimento do conceito de consumo conspícuo para além de produtos e serviços, como também aprofundar a realidade sobre o comportamento social e econômico dessas pessoas. Ademais, sugere-se estudos que aprofundem a dinâmica da relação do perfil do usuário de redes sociais e dos seus seguidores, analisando variáveis como alcance, aspectos sociais e econômicos, para trazer uma discussão para além do que é exposto em publicações.

Referências bibliográficas

Abbade, E. B., Flora, A. D., & Noro, G. B. (2014). A influência interpessoal em redes sociais virtuais e as decisões de consumo. Revista de Administração da UFSM, 7 (2), 265-278. doi.org/10.5902/ 198346594976

Arora, A., Bansal, S., Kandpal, C., Aswani, R., & Dwivedi, Y. (2019). Measuring social media influencer index- insights from Facebook, Twitter and Instagram. Journal of Retailing and Consumer Services, 49(1), 86-101. doi.org/10.1016/j.jretconser.2019.03.012

Barasch, A., Zauberman, G., & Diehl, K. (2017). How the intention to share can undermine enjoyment: photo-taking goals and evaluation of experiences. Journal of Consumer Research, 44 (6), 1220-1237. doi.org/10.1093/jcr/ucx112

Bardin, I. (2011). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições Setenta.

Baudrillard, J. (2008). A sociedade de consumo. Lisboa: Edições Setenta.

Belk, R. (2013). Extended self in a digital world. Journal of Consumer Research, 40 (3), 477-500. doi.org/10.1086/671052

Bilgihan, A., Barreda, A., Okumus, F., & Nusair, K. (2016). Consumer perception of knowledge-sharing in travel-related Online Social Networks. Tourism Management, 52(1), 287-296. doi.org/10.1016/j.tourman.2015.07.002

Boley, B. B., Jordan, E. J., Kline, C., & Knollenberg, W. (2018). Social return and intent to travel. Tourism Management, 64, 119–128. doi.org/10.1016/j.tourman.2017.08.008

Boursier, V., Gioia, F., & Griffiths, M. D. (2020). Selfie-engagement on social media: pathological narcissism, positive expectation, and body objectification – Which is more influential? Addictive Behaviors Reports, 11(1), 1 -10. doi.org/10.1016/j.abrep.2020.100263

Carriço dos Reis, B. M., Magos, S.R, Lopes, P., & Sousa, J. (2018). Prácticas digitales de los jóvenes portugueses y mexicanos. Un estudio comparativo. Index.comunicación, 8(3), 207-227. Recuperado a partir de https://tinyurl.com/293mtzrj 

Carrotte, E.R., Prichard I., & Lim, M.S.C. (2017). “Fitspiration” on social media: a content analysis of gendered images. Journal of Medical Internet Research, 19 (3), e:95. doi.org/ 10.2196/jmir.6368

Cezar, A., & Ögüt, H. (2016). Analyzing conversion rates in online hotel booking: the role of customer reviews, recommendations and rank order in search listings. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 28(2), 286-304. doi.org/10.1108/IJCHM-05-2014-0249

Cohen, R., Newton-John, T., & Slater, A. (2018). ‘Selfie’-objectification: the role of selfies in self-objectification and disordered eating in young women. Computers in Human Behavior, 79(1), 68-74. doi.org/10.1016/j.chb.2017.10.027

Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed.

Dixit, R. V., & Prakash, G. (2018). Intentions to use social networking sites (SNS) using technology acceptance model (TAM): an empirical study. Paradigm, 22 (1), 65-79. doi.org/10.1177/0971890718758201

Djafarova, E., & Rushworth, C. (2017). Exploring the credibility of online celebrities' Instagram profiles in influencing the purchase decisions of young female users. Computers in Human Behavior, 68 (3), 1-7. doi.org/10.1016/j.chb.2016.11.009

Fontanella, B. J. B., & Júnior, R. M. (2012). Saturação teórica em pesquisas qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicologia em Estudo, 17 (1), 63-71. doi.org/10.1590/S1413-73722012000100008 

Godoy, A. S. (1995). Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresa, 35 (3), 20-29. doi.org/10.1590/S0034-75901995000300004

Grewal, L., Stephen, A. T., & Coleman, N. V. (2019). When posting about products on social media backfires: the negative effects of consumer identity signaling on product interest. Journal of Marketing Research, 56 (2), 197-210. doi.org/10.1177/0022243718821960 

Heisley, D. D., & Levy, S. J. (1991). Autodriving: a photoelicitation technique. Journal of Consumer Research, 18 (1), 257- 272. doi.org/10.1086/209258

Hennig-Thurau, T., Wiertz, C., & Feldhaus, F. (2015). Does Twitter matter? The impact of microblogging word of mouth on consumers’ adoption of new movies. Journal of the Academy of Marketing Science, 43(3), 375–394. doi.org/10.1007/s11747-014-0388-3

Holland, G., & Tiggemann, M. (2016). A systematic review of the impact of the use of social networking sites on body image and disordered eating outcomes. Body Image, 17 (2), 100-110. doi.org/10.1016/j.bodyim.2016.02.008

Hong, S., Jahng, R. M., Lee, N., & Wise, K. R. (2019). Do you filter who you are? Excessive self-presentation, social cues, and user evaluations of Instagram selfies. Computers in Human Behavior, 106159. doi.org/10.1016/j.chb.2019.106159

Jacob, H. (2014). Redes sociais, mulheres e corpo: um estudo da linguagem fitness na rede social Instagram. Revista Communicare Dossiê Feminismo, 14 (1), 88-105. Recuperado de: https://tinyurl.com/wd5ftr9x

Lima, L. C., Pereira, N. S., & Gomes, D. M. O. A. (2021). O papel do Instagram na decisão de compras de viagens de lua de mel: um estudo sob a perspectiva das noivas.  Ámbitos. Revista Internacional de Comunicación, 53, 104 - 121. doi.org/10.12795/Ambitos.2021.i53.06

Lin, Hsin-Chen., Bruning, P. F., & Swarna, H. (2018). Using online opinion leaders to promote the hedonic and utilitarian value of products and services. Business Horizons, 61(3), 431-442. doi.org/10.1016/j.bushor.2018.01.010

Liu, K., & Huang, X. (2019). Research on conspicuous consumption in travel behaviors of the college students. Advances in Economics, Business and Management Research, 68(1), 261-265. doi.org/10.2991/ssmi-18.2019.46

Liu, X., Mehraliyev, F., Liu, C., & Schuckert, M. (2019). The roles of social media in tourists’ choices of travel componentes. Tourist Studies, 20(1), 27- 48. doi.org/10.1177/1468797619873107

Mingoia J., Hutchinson AD., Wilson C., & Gleaves DH. (2017). The relationship between social networking site use and the internalization of a thin ideal in females: a meta-analytic review. Frontiers in Psychology, 8(1), 1-10. doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01351

Moital, A. L. M. (2016). Young professionals conspicuous consumption of clothing. Journal of Fashion Marketing and Management, 20(2), 138-156. doi.org/10.1108/JFMM-04-2015-0034

Prentice, C., Han, X.Y., Hua, L.L., & Hu, L. (2019). The influence of identity-driven customer engagement on purchase intention. Journal of Retailing and Consumer Services. 47 (3), 339–347. doi.org/10.1016/j.jretconser.2018.12.014

Phillips, P., Barnes, S., Zigan, K., & Schegg, R. (2016). Understanding the impact of online reviews on hotel performance: an empirical analysis. Journal of Travel Research, 56(2), 235-249. doi.org/10.1177/0047287516636481

Rosenthal-Von Der Pütten, A. M., Hastall, M. R., Köcher, S., Meske, C., Heinrich, T., Labrenz, F., & Ocklenburg, S. (2019). “Likes” as social rewards: their role in online social comparison and decision to like other people ́s selfies. Computers in Human Behavior, 92 (1), 76-86. doi.org/10.1016/j.chb.2018.10.017

Ryabov, I. (2016). Conspicuous consumption among Hispanics: evidence from the consumer expenditure survey. Research in Social Stratification and Mobility, 44, 68-76. doi.org/10.1016/j.rssm.2016.02.003

Santos, T. C. (2011). A sociedade de consumo, os media e a comunicação nas obras iniciais de Jean Baudrillard. Revista Galáxia, 21, 125-136. Recuperado de: https://revistas.pucsp.br/galaxia/article/view/3566

Schau, H. J., & Gilly, M.C. (2003). We are what we post? Self-presentation in Personal Web Spaces. Journal of Consumer Research, 30 (2), 385-404. doi.org/10.1086/378616

Senft, T., & Baym, N. (2015). What does the selfie say? Investigating a global phenomenon. International Journal of Communication, 9, 1588–1606. Recuperado de: https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/4067/1387 

Smith, A. N., Fischer, E., & C. Yongjian. (2012). How does brand-related user-generated content differ across YouTube, Facebook, and Twitter? Journal of Interactive Marketing, 26(2), 102-113. doi.org/10.1016/j.intmar.2012.01.002

Song, S., & Yoo, M. (2016). The role of social media during the pre-purchasing stage. Journal of Hospitality and Tourism Technology, 7 (1), 84-99. doi.org/10.1108/JHTT-11-2014-0067

Stephen, A. T., & Galak, J. (2012). The effects of traditional and social earned media on sales: A study of a microlending marketplace. Journal of Marketing Research, 49 (5), 624–639. doi.org/10.1509/jmr.09.0401

Thelwall, M. Thelwall, S., Fairclough, R. (2021). Male, female, and nonbinary differences in UK Twitter self-descriptions: a fine-grained systematic exploration. Journal of Data and Information Science, 6(2), 1-27. doi.org/10.2478/jdis-2021-0018

Tsai, F. M., & Bui, T. (2021). Impact of word of mouth via social media on consumer intention to purchase cruise travel products, Maritime Policy & Management, 48(2), 167-183. doi.org/10.1080/03088839.2020.1735655

Xiang, Z., Du, Q., Ma, Y., & Fan, W. (2017). A comparative analysis of major online review platforms: Implications for social media analytics in hospitality and tourism. Tourism Management, 58(1), 51- 65. doi.org/10.1016/j.tourman.2016.10.001

Varkaris, E., & Neuhofer, B. (2017). The influence of social media on the consumers’ hotel decision journey. Journal of Hospitality and Tourism Technology, 8(1), 101-118. doi.org/10.1108/JHTT-09-2016-0058

Veblen, T. (1994). The theory of the leisure class. New York: Penguin Books.

Vergara, S. C. (2016). Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas.

Vohra, A. V. (2016). Materialism, impulse buying and conspicuous consumption: a qualitative research. Global Business Review, 17(1), 1-67. doi.org/10.1177/0972150915610682

Wang, Y., Wang, X., Liu, H., Xie, X., Wang, P., & Lei, L. Selfie posting and self-esteem among young adult women: a mediation model of positive feedback and body satisfaction. Journal Health Psychol. 2020. 25(2):161-172. doi.org/10.1177/1359105318787624